Presidente fala em "divergência de fundo" e avisa que vai vigiar Governo de forma "mais intensa". Não dissolve Assembleia mas mantém a ameaça, enquanto "último fusível de segurança".
Corpo do artigo
O divórcio é oficial. Marcelo Rebelo de Sousa assumiu "a divergência de fundo com o primeiro-ministro", que recusou demitir João Galamba. Apesar de romper uma relação de sete anos em que foi "sempre possível acertar agulhas", o presidente afastou a dissolução do Parlamento em nome da "estabilidade nacional", mas avisou que não pode "abdicar" deste poder. Uma das lições que tirou é que "deve assegurar ainda de forma mais intensa" a fiscalização do Governo, que perdeu a sua confiança, agora que já não há "acordo no essencial". Promete ser "mais interveniente" e atento a cada passo dado pela equipa de Costa.
Após ter recebido António Costa em Belém, o presidente falou, como prometido, aos portugueses. Começou pelos duros ataques ao ministro das Infraestruturas por não assumir a responsabilidade pelo seu ex-adjunto Frederico Pinheiro.
"Onde não há responsabilidade, não há autoridade, respeito confiança e credibilidade", atirou Marcelo, após ter questionado "como pode um ministro não ser responsável por um colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, a acompanhar um dossiê tão sensível como o da TAP" e a "assistir a reuniões privadas para preparar outras reuniões públicas". Além disso, "como pode esse ministro não ser responsável por situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis suscitadas por esse colaborador?", perguntou ainda Marcelo, notando que esses adjetivos não são seus, numa alusão a Costa. E lembrou que foram chamados a intervir os serviços "mais sensíveis da proteção da segurança nacional que, por definição, estão ao serviço do Estado e não de governos".
Pedir desculpa não chega
Antes de se ausentar do país para viagens ao Reino Unido, Espanha e França, Marcelo quis deixar claro que "responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer. É pagar por aquilo que se faz ou se deixou de fazer". Quando recusou o pedido de demissão, Costa pediu desculpa aos portugueses.
Num ataque direto ao primeiro-ministro, tentou desmontar os argumentos para não demitir Galamba. "Não se afasta [a responsabilidade] por razões de consciência pessoal de quem aprecia essa responsabilidade, por muito respeitáveis que sejam", defendeu. Além disso, "não se mistura política com justiça. Não se apaga dizendo que já passou. Não passou, nunca passa, reaparece todos os dias, todos os meses, todos os anos".
Após ter admitido que "ocorreu uma divergência de fundo com o primeiro-ministro", lamentou a posição de força assumida por Costa. "No passado, foi sempre possível acertar agulhas. Desta vez, não. Foi pena", não por "disputa pessoal ou entre cargos, mas por razões de interesse nacional".
"Correções de percurso"
A primeira ilação que tira é "continuar a preferir a garantia da estabilidade nacional" porque "os portugueses dispensam esses sobressaltos, paragens e compassos de espera num tempo em que querem ver os governantes a resolver os problemas do dia-a-dia", sem conflitos institucionais. "Comigo não contem para criar esses conflitos", nem "para deixar crescer tentativas isoladas ou concertadas para enfraquecer a função presidencial, envolvendo-a em alegados conflitos institucionais", avisou. Até porque "todos sabemos bem como acabaram no passado". Porém, terá "de estar ainda mais atento à responsabilidade política dos que mandam". Até agora, acreditava que existia, "com mais ou menos distância temporal, acordo no essencial", mas "viu-se que não".Porque "a responsabilidade dos governantes não foi assumida como devia" com a recusa de exonerar o ministro, disse que terá "sempre presente, como último fusível de segurança político que é o presidente da República no sistema constitucional, que deve assegurar de forma mais intensa que os que governam cuidam mesmo da sua responsabilidade, confiabilidade, credibilidade e autoridade". Tentará que "pontuais mas decisivas correções de percurso poupem o que ninguém deseja: interrupções do percurso porque, aí chegados, será tarde para agir em conformidade".