Após veto ao diploma para clarificar quem define incapacidade, PS recusa alterações para obrigar Belém a dar luz verde. Presidente não vê "drama"
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O PS prepara-se para confirmar por maioria absoluta, sem qualquer alteração, o decreto da eutanásia que o presidente da República vetou por dúvidas sobre quem define a incapacidade física do doente e faz a supervisão médica, obrigando Marcelo Rebelo de Sousa a promulgá-lo em oito dias, conforme determina a Constituição. Se assim for, "não tem drama, é a vida", reagiu o presidente perante a intenção do PS, que foi apoiada por outros partidos. Defendeu ainda que o veto não tem a ver com qualquer problema de inconstitucionalidade, mas sim "de precisão".
A concretizar-se a aprovação pelo Parlamento do decreto tal como está, o presidente já não poderá pedir a fiscalização preventiva e será forçado a dar luz verde ao diploma, destacou ao JN o constitucionalista Tiago Duarte. Considera que os deputados devem agora "demonstrar por A mais B" que a lei é clara ou aceitar fazer alterações. "Não faz sentido confirmar um diploma em que as regras não sejam percetíveis", justificou.
Após ser conhecido o veto de Marcelo ao quarto decreto da morte medicamente assistida, a bancada do PS fez saber que pretende confirmá-lo sem reformulação. Pelo contrário, o líder do PSD, Luís Montenegro, aplaudiu o veto presidencial e insistiu num referendo.
Segundo o artigo 136.º da Constituição, "se a Assembleia da República confirmar o voto por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções [116], o presidente da República deverá promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção".
O PS foi apoiado por outros partidos nesta intenção, nomeadamente o Bloco de Esquerda, o PAN e a Iniciativa Liberal.
"Assim como sempre respeitámos uma e outra, e outra vez a decisão legítima do presidente da República, e os acórdãos do TC, chegou a vez de ver respeitada a vontade do Parlamento", reagiu a deputada socialista Isabel Moreira. "Fui claríssima", respondeu, instada sobre se o PS confirmará o decreto.
Segundo a constitucionalista, Marcelo "sabe que o TC não encontraria, desta vez, qualquer problema de inconstitucionalidade" e, por isso, optou por um veto político "com considerações jurídicas, as tais que já foram respondidas ao TC".
Marcelo quer esclarecer dois pontos. "Concretamente, solicito à Assembleia da República que pondere clarificar quem define a incapacidade física do doente para autoadministrar os fármacos letais, bem como quem deve assegurar a supervisão médica durante o ato de morte medicamente assistida", escreveu.
"Solicitações pontuais"
"Se a Assembleia votar manter a mesma versão, sou obrigado a promulgar. Se for ao encontro daquilo que proponho, não vejo razão para não promulgar", reagiu mais tarde, defendendo que faz "solicitações muito pontuais".
Pelo BE, Catarina Martins diz que é "momento de confirmar a lei" para depois se avançar na regulamentação". E o decreto "responde a qualquer dúvida constitucional que possa existir".
"Do nosso lado haverá disponibilidade para confirmar o texto tal como foi devolvido à Assembleia", anunciou também João Cotrim Figueiredo, deputado da IL.
Para o PCP, o veto "confirma as dificuldades" que um tema "desta sensibilidade levanta", apesar de as suas preocupações não serem "exatamente as mesmas".
Do referendo à fiscalização sucessiva
Luís Montenegro defendeu que ainda há tempo para levar "um texto legislativo consolidado a referendo" após o veto que elogiou. E condenou a "pressa ofegante em querer chegar a uma solução legislativa sem a segurança e certeza jurídica" necessárias. Prometeu ainda a manter a liberdade de voto dos deputados do PSD.
Por sua vez, o Chega quer apoio do PSD para uma fiscalização sucessiva, ou seja, após promulgação e entrada em vigor. Tal exige um décimo dos deputados. Para reunir 23 votos, o partido de André Ventura teria de somar à sua bancada onze eleitos do PSD, partido que procura distanciar-se do Chega.