Mário Tomé foi militar de Abril, dirigiu a UDP e é um dos membros históricos do BE. Aos 82 anos, é mandatário da moção E, que se opõe à linha de Mariana Mortágua e que tem 14% dos delegados da XIII Convenção bloquista. Ao JN, disse que há dois grandes temas que o afastam da moção A: a ausência de uma "política de confrontação" com o PS e a análise da guerra da Ucrânia. Sobre o conflito no Leste, não tem dúvidas: "O BE deixa-se amarrar pelo 'mainstream'".
Corpo do artigo
Que divergências tem a moção E relativamente ao que defende a moção A?
São duas grandes divergências. A primeira é o facto de faltar, na moção A, uma política de confrontação no essencial com o PS. Não basta dizer que se quer vida boa [referência a um dos slogans da moção A, que propõe "Uma vida boa para todas as pessoas"]. O problema é que políticas é que o PS está a levar por diante em conjunto com a UE. Há poucos anos, o BE tinha como palavra de ordem "Desobedecer à UE", mas isso desapareceu. E por que é que a moção A recusa fazer um balanço estruturado, político, das razões pelas quais perdeu tantos votos e deputados? [em 2022, o BE desceu de 19 para cinco]. Não basta dizer que as pessoas não compreenderam a mensagem. Não compreenderam porquê? O que faz o partido se não for propor, explicar e mostrar a essência das suas propostas políticas? Isso tem de ser analisado ao pormenor para se saber qual vai ser a nossa futura estratégia e táctica no futuro.
E qual é a outra divergência de fundo?
É sobre a guerra da Ucrânia. O BE esteve um ano sem dizer que era preciso uma negociação para a paz e que era preciso parar a guerra, quando por todo o lado se ouvia isso. Não aqui em Portugal, claro... Em Portugal reina o 'mccarthismo' [perseguição à Esquerda], não se pode falar fora do consenso que nos foi imposto. Mas essa posição, do meu ponto de vista, é intolerável. O Lula [da Silva, presidente do Brasil] tomou uma posição frontal de interpelação do imperialismo norte-americano e do papel que eles estão a ter na guerra, fornecendo cada vez mais armas à Ucrânia. Partilho dessa posição [em Abril, Lula exortou os EUA e a UE a começarem a falar de paz e não apenas de guerra].
A moção E também diz que a direção do BE tem estado demasiado próxima do PS. Sobre a geringonça, há diferenças de fundo?
Do nosso ponto de vista, a geringonça foi absolutamente necessária. Aliás, saúdo a Catarina Martins porque, ao contrário do que se tentou fazer passar na comunicação social, foi ela que disse [a António Costa]: 'Olhe, se você alinhar nisto e nisto, no dia a seguir vamos falar'. O Costa disse que sim porque precisou do BE. Passado algum tempo, quando estava ganho o essencial, que era travar a cavalgada da Direita do Passos Coelho e da 'troika', teríamos de fazer um novo acordo. E claro que tinha de ser por escrito, como ela frisa. Portanto, na questão da geringonça estamos totalmente de acordo.
E quanto a uma nova geringonça no futuro?
Naquela altura, estávamos do mesmo lado. Agora, com a maioria absoluta, o PS tem dado provas de que está mais do outro lado. Aliás, o PSD está aflito para se afirmar, para desgosto do presidente da República, porque foi comido pelo PS.
Sobre a Ucrânia, houve um delegado, na convenção do BE, que acusou a moção E de ter uma posição igual à do PCP. Concorda?
Isso é cretino... Nem sequer sei se é igual à do PCP. Não me preocupa a posição do PCP, preocupa-me é a posição que o BE deve ter. Por exemplo, o BE não devia ir à Ucrânia a convite de um nazi-fascista [refere-se ao presidente do Parlamento ucraniano, Ruslan Stefanchuk, que a moção E acusa de ter participado no massacre da Casa dos Sindicatos de Odessa, em 2014, no qual morreram mais de 40 oposicionistas. No início de maio, a deputada bloquista Isabel Pires integrou a delegação, chefiada por Augusto Santos Silva, que se encontrou com Stefanchuk].
Falou há pouco da posição manifestada por Lula da Silva sobre a guerra. Por que é que, no seu entender, o BE não subscreve abertamente essa visão?
O BE deixa-se amarrar e paralisar pelo 'mainstream'. Só nessa base é que eu percebo que tenha integrado uma delegação parlamentar a convite de um nazi-fascista. O BE devia ter uma posição mais aberta e até de apoio às declarações do presidente Lula da Silva, mas não quer entrar em conflito com o 'mainstream' e com o PS.
Como descreveria Mariana Mortágua, que este domingo será confirmada como nova coordenadora do partido?
A Mariana Mortágua é uma mulher de grande qualidade, grande capacidade e grande formação. Tem um pensamento económico avançado, embora seja social-democrata keynesiana, mas isso é outra coisa... Neste momento, é a melhor deputada do Parlamento.