Milhares em risco de pagar duas faturas de gás num mês com mudança para o regulado
Há consumidores que pediram a mudança há mais de um mês e não têm resposta. Já não escapam aos aumentos e terão de pagar duas contas.
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Milhares de famílias estão à espera, há semanas, pela mudança para o mercado regulado do gás, sem qualquer resposta por parte dos comercializadores nem perspetiva de data de adesão. Há quem aguarde há mais de um mês e comece a fazer contas ao orçamento familiar, pois aproxima-se o dia em que terão de pagar a fatura do gás com o enorme aumento que pretendiam evitar. Até à passada sexta-feira, a ADENE - Agência para a Energia tinha quase 15 mil pedidos em análise. Porém, há centenas de solicitações que continuam nas mãos dos comercializadores de último recurso e que ainda não chegaram à agência, a quem cabe a decisão final.
A Deco, que já escreveu ao Ministério do Ambiente sobre a necessidade de simplificar e acelerar o processo de adesão, alerta para o facto de muitas famílias, já com um orçamento sobrecarregado, correrem o risco de serem confrontadas com o pagamento de duas faturas de energia no próximo mês. Face à demora na resposta ao pedido de entrada no mercado regulado do gás, os clientes continuam agarrados ao contrato que já detinham e, agora, terão de pagar a conta referente ao mês de outubro (e muitos casos refletirão o aumento das tarifas anunciado). Ora, saindo entretanto a decisão de adesão ao mercado regulado, o antigo operador apresentará, também, uma fatura final de rescisão do contrato, em que poderão ser feitos acertos, sobretudo se as anteriores contas tiverem sido calculadas com base em estimativas em vez de contagens reais.
"Esta incerteza começa a criar ansiedade nos consumidores, preocupados com o facto de virem a ser confrontados com o pagamento de duas faturas, que podem chegar muito próximas uma da outra. À Deco, têm chegado muitas dúvidas e pedidos de apoio. Alguns consumidores já pediram a mudança há bastante tempo e continuam sem resposta. Não sabem em que estado se encontra, se foi aceite, se faltam documentos... E é difícil contactar os serviços de apoio das entidades", relata Ana Sofia Ferreira, jurista da Associação de Defesa do Consumidor, lembrando que o que motivou o Governo a permitir o regresso das famílias ao mercado regulado foi a "necessidade social". Logo, "as medidas de apoio têm de ser rápidas e eficazes. Há pessoas para quem a mudança é fundamental para cumprir outros compromissos".
Mais cem mil pedidos
Desde 7 de setembro, os comercializadores de último recurso já enviaram 103 341 pedidos de adesão à ADENE para validação final. Ao JN, a agência indica que já foram aceites cerca de 88 mil. "Os restantes 14 996 pedidos encontram-se em tramitação", esclarece.
A EDP Gás Serviço Universal admite constrangimentos face à avalanche de pedidos, que já superam o número de clientes que a empresa tinha à data da decisão do Governo de abrir o mercado regulado. "O acesso ao mercado regulado de gás estava interdito há vários anos, não podendo as comercializadoras celebrar novos contratos com clientes, exceto para clientes de tarifa social. Por isso, as equipas e os serviços estavam ajustados à realidade da empresa que, até ao início de setembro, tinha 30 mil clientes. O atendimento em loja e no contact center foi reforçado e a empresa foi a primeira a permitir a contratação online", explica em resposta ao JN, dando conta de que já entraram "cerca de 35 mil pedidos".
A empresa calcula, ainda, que mais de metade já foram integrados no mercado. "Apenas 5% estão, neste momento, em curso do lado da EDP Gás Serviço Universal. Os restantes estão a ser processados pelo operador logístico de mudança de comercializador", que é a ADENE. Já o grupo Galp não deu resposta ao JN.
Conceitos úteis
Comercializador de último recurso
São as empresas de fornecimento de energia (neste caso, de gás natural) com licença para as tarifas do mercado regulado, que são definidas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
Há uma empresa a atuar por região
Cada comercializador atua numa determinada região. Para saber qual é o comercializador de último recurso da sua área de residência, pode consultar esta página de Internet da ERSE: www.erse.pt/gas-natural/ funcionamento/ comercializacao
Operador logístico de mudança
O operador logístico de mudança de comercializador é a ADENE - Agência para a Energia. Cabe-lhe gerir o processo de mudança de comercializador e garantir celeridade nesse processo.
Quem pode mudar para o regulado
A lei, que entrou em vigor a 7 de setembro, permite que todos os consumidores com um consumo anual de gás inferior a dez mil metros cúbicos façam essa mudança. Destina-se, sobretudo, a consumidores domésticos, mas também pode abranger empresas de pequena dimensão.
Até quando pode ficar no mercado regulado
O Governo permite que os consumidores permaneçam até 31 de dezembro de 2025 no mercado regulado do gás. No entanto, os clientes das tarifas sociais não têm esse limite temporal.
88 345 clientes mudaram para o mercado regulado do gás, desde 7 de setembro e até esta sexta-feira. É o número de processos finalizados e com contrato ativado, de acordo com a ADENE - Agência para a Energia, que é o operador logístico de mudança de comercializador.
Contratos duais devem fazer contas
Os consumidores que têm contratos duais (eletricidade e gás com o mesmo operador) devem fazer contas e ver, nos seus contratos, se têm alguma perda de benefícios por deixar de ter os dois serviços. Se fizer a mudança só no gás, pode ficar a pagar mais pela eletricidade e, com isso, perder a vantagem financeira que a alteração para o regulado lhe confere.