Alterações à lei eleitoral autárquica põem movimentos reféns da decisão de um juiz de turno 50 dias antes da eleição.
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A nona alteração à lei eleitoral autárquica, aprovada por PS e PSD, coloca os movimentos independentes em risco de "morrerem na praia" a 50 dias das eleições. A Associação Nacional dos Movimentos Independentes (AMAI) alega inconstitucionalidade e apela à Procuradoria-Geral da República (PGR) para pedir a fiscalização sucessiva do diploma. É que, nas vésperas das autárquicas, um movimento pode ser completamente inviabilizado apenas por causa do seu nome ou porque não consegue reconhecer assinaturas. Estará tudo nas mãos de um juiz de turno.
O primeiro entrave, segundo o presidente da AMAI, é a obrigação de serem constituídos movimentos diferentes para a eleição nas juntas de freguesias, obrigando a recolher mais assinaturas (3% dos eleitores) e não podendo concorrer com o mesmo movimento às câmaras e às freguesias. Os grupos de cidadãos terão de recolher mais assinaturas em período de confinamento: umas para as listas de candidatura à Câmara e à Assembleia Municipal e outras para ir a votos nas juntas. "É um constrangimento tremendo. Como vamos chegar às pessoas?", questiona-se Aurélio Ferreira.
Mas um dos principais problemas, introduzidos pelo decreto aprovado em julho só pelo bloco central, prende-se com a denominação dos movimentos. A lei passou a impedir que um grupo de cidadãos use as palavras "partido" ou "coligação". A AMAI já pediu à Comissão Nacional de Eleições esclarecimentos quanto a denominações possíveis e não teve resposta. As candidaturas têm de ser entregues em Tribunal até 50 dias antes da data das eleições autárquicas. E basta um juiz de comarca (nessa altura, será de turno, uma vez que a entrega deverá ocorrer em agosto) considerar inválido o nome do movimento, para que todas as assinaturas sejam anuladas, obrigando os independentes a repetir o processo num prazo curto.
"Estamos a trabalhar completamente no escuro", diz o presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, considerando que a obrigatoriedade de se criar um nome diferente para as freguesias originará "uma grande confusão". Para Rui Moreira, o problema maior está no facto de a denominação do movimento poder inviabilizar toda a candidatura. "Estamos perante uma quase impossibilidade. Mais valia terem a coragem de dizer que não podemos concorrer", afirma o presidente da Câmara do Porto, acrescentando que basta um elemento da lista sair, para que todas as assinaturas corram o risco de serem inválidas.
Inconstitucionalidade
Além disso, o juiz passa a ser obrigado a pedir o reconhecimento notarial de assinaturas. A lei não fixa um número mínimo de assinaturas a reconhecer. "Como vou a um notário pedir a autenticação de assinaturas de um cidadão que não conheço?", interroga-se Aurélio Ferreira. "Isso cria-nos uma situação impossível", concorda Rui Moreira. "Ficamos nas mãos de um juiz. Muitos movimentos vão morrer na praia. Mais valia dizerem que acabam com os movimentos", atira o autarca de Cerveira, Fernando Nogueira.
"Isto mostra que os partidos querem ser os donos disto tudo. Não querem cidadania", diz José Manuel Silva que, em 2017, liderou o movimento Somos Coimbra. Os independentes consideram que a lei está ferida de inconstitucionalidade e viola a igualdade de direitos. E já pediram a intervenção da PGR. Entretanto, começam a criar planos alternativos: uns admitem criar partidos; outros ingressar em listas partidárias.
420 autarcas foram eleitos como independentes
Em 2017, foram eleitos 420 autarcas como independentes: 403 presidentes de junta e 17 presidentes de câmara. Em 2013, tinham sido 13 os candidatos independentes a conquistar uma câmara.