Estudo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ERC, revela que ainda há muito por fazer para tratar a violência doméstica nas notícias televisivas como um fenómeno social complexo, além do crime e das imagens simplistas sobre envolvidos. Vítimas ainda surgem nas peças televisivas com quota parte de responsabilidade pelos atos cometidos.
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A nível discursivo, são exploradas características e comportamentos que representam uma imagem errónea de vítimas e agressores, refere uma das conclusões da análise da ERC, que se debruçou sobre os blocos informativos dos quatro canais - RTP1, RTP2, SIC e TVI - entre 2013 e 2015.
No caso da vítima, é associada a determinadas condutas, "como problemas de alcoolismo, relações amorosas, incapacidade de quebrar relação com o agressor, que podem culpabilizar e responsabilizar pela violência", pode ler-se no documento "Representações da Violência Doméstica nos telejornais de horário nobre", tornado público esta segunda-feira.
Quando a notícia se debruça sobre a vítima, há tendência para fazer uma "construção mediática em torno da vítima fragilizada, circunscrita ao medo das agressões, à dificuldade de sair do ciclo da violência e ao horror do crime". Relativamente ao agressor, é comum associar a conduta a comportamentos aditivos e vulnerabilidades psicológicas e económicas, que podem servir como justificação do ato.
Segundo a ERC, falta contextualização à informação - 75% das peças relatam o ato de violência como acontecimento isolado - , que, conjugada com a necessidade de descrever "possíveis causas", está a reforçar estereótipos: relação conflituosa, fim da relação, crime passional, ciúme.
Isto acontece, entre outras razões, porque as fontes a que se recorre são sobretudo cidadãos comuns, vizinhos e autoridades, relegando os especialistas e organizações não-governamentais para segundo plano. Numa abordagem mais minuciosa, apura-se que "a voz dos homens é muitas vezes assumida pelas autoridades, pelo agressor e pelos advogados dos envolvidos, enquanto as mulheres sobressaem na voz das vítimas e representantes de organizações não-governamentais".
A ERC recomenda que "os crimes de violência doméstica sejam enquadrados como problema social mais vasto, indo para além do crime e como um processo complexo que tem as suas raízes na desigualdade entre homens e mulheres", pois acredita que "a visibilidade de todas as formas de violência doméstica pode contribuir para despertar consciências e para que a sociedade as reconheça, concorrendo para a sua prevenção e erradicação".
Foram analisadas 432 peças e, na sua maioria, não mereceram grande destaque no alinhamento dos noticiários televisivos.