A ministra da Coesão foi, esta quarta-feira, muito crítica quanto ao nível minucioso de fiscalização das despesas dos municípios que está a ser feito no processo de descentralização. Ana Abrunhosa rejeita esse tipo de avaliação e já mandou suspender um questionário com 300 perguntas, que tinha sido enviado pela Direção Geral de Administração Local aos municípios. E quer mudanças já no Orçamento do Estado para 2024.
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"Não peçam à ministra da Coesão para fiscalizar as despesas das câmaras" com a descentralização. Tenho dificuldade em entender que passemos competências para as autarquias para, depois, estamos a fiscalizar se o dinheiro transferido pelo Estado corresponde às despesas. Não temos de fiscalizar onde e como são utilizados os fundos que atribuímos. É uma luta minha dentro da Administração Central e, por isso, interrompi um questionário de 300 perguntas", que a Direção Geral da Administração Local tinha enviado às câmaras.
As palavras da governante foram recebidas com visível satisfação pelos autarcas presentes no seminário da Associação Nacional de Municípios Portugueses dedicado ao financiamento das autarquias locais, que decorre, esta quarta-feira, em Matosinhos. Ainda assim, pede "paciência" ao Poder Local neste "processo de transição", reconhecendo que essa fiscalização minuciosa está a atrasar o cumprimento do acordo, fixado em julho de 2022.
Minutos depois, o vice-presidente da ANMP, Ribau Esteves, subiu à tribuna para falar sobre a nova proposta da associação para reformar a Lei das Finanças Locais e destacou a necessidade de "simplificar processos e reduzir burocracias que custam milhões de euros" aos municípios, sem perturbar o rigor e a transparências das contas públicas. "É preciso destroikar a gestão municipal. São gastas milhares de horas de trabalho dos funcionários municipais no reporte a diversas entidades", assegura.
Também a presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, concorda com a necessidade de reduzir o nível de reporte à Administração Central, certa de que a descentralização exige uma "relação de confiança entre os municípios e o Governo" e que "não se perca muito tempo com o preenchimento permanente de mapas, que não têm qualquer utilidade prática".
E Ana Abrunhosa partilha da mesma opinião e quer dar um primeiro passo já no Orçamento do Estado para 2024, embora ressalve que terá de haver sempre um reporte mínimo das autarquias ao Governo.
"Eu gostaria muito de, no próximo Orçamento do Estado para 2024, já aligeirar esta necessidade de reporte. Ao transferirmos as verbas por gavetas muito pequeninas, os municípios têm de reportar-nos muita informação e nós temos de olhar para essa informação", explica a governante. A solução passa por fazer as transferências de verbas para o exercício das competências descentralizadas por "grandes agregados".
"Quanto mais agregada a transferência for, menos estamos a fiscalizar a despesa. Isso exige confiança, mas transferir competências é isso mesmo. Não é delegar. Delegar implica que podemos, a qualquer hora, avocar a competência. Neste caso, é passá-la mesmo para o município. A nossa maior preocupação é que o envelope financeiro que acompanha a transferência de competências seja adequado. Agora, se desse envelope, uma parte é usado na Educação e outra parte na Saúde, não é a nós, Governo, que deve interessar", continua Ana Abrunhosa. Insiste, contudo, que manter-se-á uma "necessidade mínima de reporte, mas os sistemas da Direção Geral de Administração Local tem de estar ligados aos sistemas de informação dos municípios que têm de estar preparados para, de forma mais célere e pouco burocrática, fazermos a supervisão que temos de fazer". E lembra que há entidades externas ao Governo vocacionadas para fiscalizar as contas do Poder Local.
"Obviamente que tem de haver um reporte mínimo das autarquias ao Governo, mas, a partir do momento em que as competências são dos municípios, nós, Governo, não temos de estar a fiscalizar. Há outras entidades que podem fazê-lo, rubrica a rubrica. Se do bolo global de um município, este precisa, em determinado ano, de afetar mais verba à Educação do que tinha previsto e vai retirar essa verba de outra área, o que nos interessa é que os municípios tenham os recursos necessários ao exercício das competências. Não é competência do Governo andar a fiscalizar a despesa", conclui.