No último ano, o número de motoristas TVDE (transporte de passageiros em veículo descaracterizado) certificados aumentou de 18265 para 28 100 (54%).
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Desde que a pandemia começou, o ritmo de licenças cresceu para 531 por mês, refletindo a procura de alternativas para o desemprego noutros setores. Mas os passageiros diminuíram 50% e as empresas TVDE não aguentam.
"Ainda que as pessoas estejam a preferir o transporte individual ao coletivo, com a falta de turistas e o teletrabalho, a quebra na procura é superior a 50%", assegura Miguel Colaço, presidente da Associação das Empresas e Operadores TVDE.
A este panorama, somam-se "seguros elevadíssimos, custos acrescidos com medidas de contenção da covid-19, como os acrílicos separadores na cabina, e o aumento da concorrência, com cada vez mais desempregados que procuram rendimento no setor". O representante dos empresários explica que "os apoios a sócios-gerentes, o lay-off e as moratórias nos créditos dos automóveis até março de 2021 estão a ser usados, mas não são suficientes".
Aquela associação estuda um conjunto de medidas para o setor que entregará ao Ministério da Economia que incluem, entre outras, linhas de crédito específicas e redução de impostos, como a isenção do imposto único de circulação para os TVDE, à semelhança do que beneficiam os táxis.
Motoristas desesperam
Do lado dos motoristas, normalmente prestadores de serviços ou à comissão, há quem se queixe de ter ficado praticamente sem rendimento e há quem admita "passar fome", mesmo a trabalhar 60 horas por semana.
"Trabalho desde as 19 horas de sexta-feira até às 7 horas de segunda-feira. Não durmo, como no carro, estou sempre disponível. Pago 60% da faturação ao dono do carro, sobram-me 40 e poucos euros para viver. Passo fome", admite Zélia (nome fictício), que trabalha na região do Porto.
Os motoristas têm receio de dar a cara, "porque as plataformas bloqueiam as contas em retaliação", assegura Joaquim (nome fictício). Empresário TVDE e motorista "14 horas por dia, só para pagar as contas", reclama que "o Governo devia ter estabelecido um contingente máximo de carros, porque assim não dá para todos. Quando acabarem as moratórias, vai haver falências".
A trabalhar na região da Grande Lisboa, Joaquim sente os efeitos do "multiplicador" que a Uber lançou, a 29 de outubro, com o objetivo dos "motoristas poderem decidir qual é a melhor opção, reduzindo ou aumentando os preços onde e quando quiserem, e sempre que quiserem".
A tarifa base de 2,5€ (dos quais 1,875€ são para o motorista, sendo 25% para a Uber) pode ser reduzida até 30%, para 1,75€ (o motorista recebe 1,31€). Os profissionais alegam que, se não aceitarem trabalhar pela tarifa mínima, não recebem pedidos, quando o algoritmo da aplicação privilegiava, antes, a distância ao cliente e a pontuação do motorista.
40 horas no vermelho
"É uma violação da lei 45/2018, porque trabalhar àquele preço é dumping e resultou numa canibalização entre motoristas: quem não baixar para 0,7 não tem serviço", acusa Joaquim. A lei que regula os TVDE determina que não poderão trabalhar abaixo do custo mínimo, mas ninguém estabeleceu esse valor.
João (nome fictício) fez as contas: há um ano, a semana de 40 horas permitia pagar 900 euros brutos ao motorista; hoje, as mesmas horas dão prejuízo de 40€ e não pagam salário. Para ganhar 720€ brutos, teriam de trabalhar 80 horas por semana. "Não chega", remata.
Entregas duplicam este ano
Os confinamentos e a pandemia apagaram metade do negócio da mobilidade das apps e dos motoristas, mas duplicaram as entregas ao domicílio. A Glovo contabiliza um aumento acumulado das entregas de comida de 112%. A Uber diz que o negócio de entregas, a nível global, cresceu 135% no terceiro trimestre, depois de já ter crescido 113% no segundo e 54% no primeiro.
Os dados mais recentes do INE indicam que, em 2019, houve um aumento de 18% no número de estafetas registados para um total de 5823. Quem anda no terreno diz que "são mais, com contas partilhadas por vários". E as apps estão a reduzir a tarifa base e os ganhos por km. "Os estafetas não estão satisfeitos e pode haver protestos", avisou um estafeta.
Operadores TVDE no distrito de Lisboa
Mais de metade dos operadores TVDE registados em Portugal (8043, a 12 de outubro) localizam-se no distrito de Lisboa - 4600. Há um ano, o país tinha 8030 operadores TVDE licenciados.
Número de empresas TVDE à venda aumentou 200% entre o final de março e o fim de outubro. Regista-se um crescimento de 200% (de 28 para 84) nas empresas à venda no Olx nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal. Face a janeiro, é de 500%.
