Paulo Portas ofereceu os préstimos do CDS para se aliar ao PS e ao PSD no Governo, na condição de Sócrates se afastar - "Tenha um gesto de humildade: saia!" Mas nenhum dos partidos o aceita como companhia. Foi o momento que marcou o "Estado da Nação".
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Tratou-se de um debate típico na forma e atípico na essência, o que se travou ontem, quinta-feira, na Assembleia da República. Típico na forma na medida em que, como seria de esperar, propiciou a apresentação de visões radicalmente diferentes da situação do país - carregadas de perspectivas animadoras, se assumidas pelo Governo ou pelo PS; negras, quando verbalizadas pelas diversas oposições. Atípico na essência porque, numa atitude de todo inesperada, o líder do CDS se disponibilizou para ser incluído numa plataforma governativa com os dois maiores partidos. Depois de denunciar os alegados malefícios do acordo a que chegaram para criar o novo PEC.
Portas não falou na convocação de eleições. Usou, aliás, a impossibilidade de as realizar- por força dos prazos "insolitamente longos" que a Constituição fixa - como argumento central da sua proposta. Sendo o Orçamento de Estado para 2011 submetido a votação num momento em que já não é possível dissolver o Parlamento e abrindo-se após as presidenciais um novo período de seis meses de inibição de eleições, Portugal pode ficar, nas suas palavras, "um ano à deriva".
A alternativa consiste, assumiu o presidente do CDS, em Sócrates reconhecer que "é passado e já não recupera" e o PS indigitar para primeiro-ministro uma figura "moderada". Nessas circunstâncias - e como "solução excepcional" - Portas admitiria "uma coligação entre PS, PSD e CDS, para três anos, com o objectivo de tirar Portugal deste atoleiro".
A oferta, revelada na fase final do debate parlamentar, terá apanhado de surpresa os restantes partidos. Mas traz à memória a notícia da última edição do Expresso - que aludia a um alegado convite de Sócrates a Paulo Portas, feito em Fevereiro, para substituir Luís Amado no Ministério dos Negócios Estrangeiros - e a convicção expressa pelo socialista Vera Jardim, à Antena 1, de que o primeiro-ministro estaria aberto a um acordo de incidência parlamentar - escrito - envolvendo as três forças políticas.
No final do debate, Sócrates fechou a porta a um acordo dessa natureza. Sublinhando ter sido eleito, criticou "os políticos incorrigíveis que só pensam em questões de poder" e recusou, ao mesmo tempo, um cenário de eleições antecipadas. Minutos antes, coubera ao vice-presidente da bancada social-democrata, Luís Montenegro, acrescentar ao discurso que preparara uma frase que não deixa dúvidas: "O PSD governará Portugal só e quando os portugueses nos escolherem". Passos Coelho matou o assunto, em entrevista à noite.
O chefe do Governo, que abrira o "Estado da Nação" ao ataque, munido dos indicadores económicos e sociais ontem publicados pelo INE - positivos, mas que remontam a 2008, bem antes do pico da crise - saiu assim, em certo sentido, "à defesa", instado a pronunciar-se sobre a proposta de Portas.
Até então, assistira-se a um discurso optimista para enfrentar as dificuldades, por parte do chefe do Governo e da bancada do PS, e à denúncia do modo como descreve o momento do país, pelas oposições. PSD e CDS consideraram-no "irrealista e fantasioso", Francisco Louçã detectou em Sócrates um "optimismo deslumbrado" e Jerónimo de Sousa acusou-o de "continuar a olhar para as estrelas, em vez de pôr os pés na terra".
As oposições, porém, só convergiram na crítica à leitura que o Governo faz da situação. Antes da mais marcante intervenção de Portas, o CDS coincidira com a Esquerda na crítica ao acordo entre o PS e o PSD, mas naturalmente por razões diferentes. Enquanto PCP, Bloco e "Os Verdes" faziam notar a "cumplicidade" do PSD com o Governo na concretização de um conjunto de restrições aos apoios sociais, o ataque do CDS incidia no aumento de impostos. Portas apresentou mesmo uma alternativa.
Já o PSD não conseguiu adquirir maior protagonismo pelo facto de Sócrates o empurrar para a discussão em torno da preservação do Estado Social. Tantas vezes o primeiro-ministro falou da questão - e Francisco Assis chegou a dizer que o PSD o quer "assassinar" - que o partido de Passos Coelho teve de assegurar que o que se conhece das suas propostas de revisão constitucional não põe em causa o Estado Social.
Cometeu, porém, um erro fatal: no afã de se atirar à governação, Luís Montenegro deu o flanco, ao afirmar: "Apresentaremos a nossa alternativa para governar quando os portugueses nos escolherem". O ministro da Economia, que fechou o debate, não desperdiçou o deslize. "Ideias: zero. Propostas: zero. Alternativa: nula. Programa, só depois de sermos eleitos. Prognósticos, só no fim do jogo", acusou Vieira da Silva.