Há mais de cinco mil menores que fugiram da guerra para Portugal. Matrículas de alunos ucranianos refugiados nas escolas portuguesas chegam aos 300.
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Bateu em retirada com o próprio filho por uma mão e o de uma amiga na outra. A fuga de Mariia Kolomiichenko da Ucrânia com dois meninos de nove e 10 anos prolongou-se por 30 horas, mas nem o desgaste a levou a adiar o registo dos três no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Fê-lo pouco depois da chegada a Gaia, onde vive uma irmã, para poder matricular as crianças. Era sexta-feira. Na segunda-feira seguinte, o regresso à "vida normal" bateu à porta: havia uma escola pronta para os receber.
Roman Kolomiichenko, de nove anos, e Tymotii Kosinov, de 10, fazem parte das 300 crianças e jovens ucranianos refugiados matriculados, até à data, nas escolas portuguesas. Mas, de acordo com a última atualização feita pelo SEF, a invasão russa já trouxe pelo menos 5242 menores de 17 anos para Portugal. O número real será muito maior.
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Motor da normalidade
Há três dias que a Escola das Devesas, em Gaia, recebe Roman e Tymotii. A integração dos meninos na escola era, para Mariia, de 38 anos, o motor que lhes permitiria regressar à "socialização e à vida normal".
"Estamos à espera que a Ucrânia ganhe para voltarmos. Mas não sabemos quanto tempo isto vai durar e não é bom para as crianças ouvirem, a toda a hora, sirenes, bombas... O melhor para elas é estar num contexto normal, viver uma vida normal, conviver com crianças e professores e ter apoio, que eu agradeço muito", diz Mariia.
Tymotii, o mais velho dos dois, vestido com uma t-shirt de banda desenhada do Hulk - quase que em apelo ao espírito guerreiro próprio dos ucranianos -, já diz "olá", "obrigado" e "olha" sem dificuldade aparente. Orgulha-se dos progressos que fez em poucas aulas de Português como língua não materna. Mas do que mais gosta são as "pessoas".
Roman adota uma postura mais reservada. Embrulha a cabeça no carapuço da camisola e afasta-se. Ao contrário de Tymotii, que diz já ter imensos amigos, Roman mantém-se fiel ao companheiro de viagem.
Aos dois foi atribuído o Escalão A da Ação Social Escolar: recebem material escolar e livros, almoço e um computador, sem encargos adicionais. Mariia agradece repetidamente o apoio.
Pais não puderam sair
O pai de Roman ficou em Donbass. Não é militar, ao contrário do pai de Tymotii, mas também não pôde sair. Mariia é contabilista e trabalhava em Kiev com a mãe do menino numa empresa de transporte de gás que faz a distribuição a nível europeu. A amiga, que coordena equipas, teve de ficar.
"É muito importante e ela não podia sair", observa Mariia. Olha para Tymotii e diz: "Trouxe a coisa mais importante da vida dela".
"Quando Donbass foi invadida pela primeira vez", Mariia refez a sua vida em Kiev. Roman tinha um ano. Há duas semanas, fizeram as malas outra vez.
"A minha mãe ainda está lá [em Donbass]. Tem 60 anos. Está à espera do fim da guerra". A perspetiva de Mariia é a de que um dia também possa regressar à terra natal com o filho: "Quero voltar. Acho que tudo vai acabar daqui a não muito tempo". Para já, ficar em Gaia, admite, "é uma boa alternativa".
Mais crianças hão de chegar. Se não tiverem documentos, Filinto Lima, diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, admite que "há flexibilidade". "Depois, o consulado e as autoridades ucranianas podem validar" o ano de escolaridade, explica o docente.
Dados
5242 crianças e jovens ucranianos até aos 17 anos fugiram da guerra para Portugal, de acordo com os dados oficiais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Os números reais serão muito maiores.