Francisco Pinto Balsemão fundou o PPD, que queria que se tivesse logo chamado PSD, e do qual foi o militante número um, chefiou dois governos depois da morte de Sá Carneiro e recusou transformar-se num político profissional.
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"Nunca me passou pela cabeça ficar toda a vida na política, transformar-me num político profissional. Havia uma missão a cumprir e foi isso que basicamente me motivou a ir para a frente", contou Pinto Balsemão nas suas "Memórias" (Porto Editora, 2021), sobre o momento em que se torna primeiro-ministro, após a morte de Francisco Sá Carneiro, em dezembro de 1980.
Eleito aos 32 anos para a Assembleia Nacional (1969 - 1973) nas listas da União Nacional, pelo círculo da Guarda, integrou a chamada Ala Liberal, juntamente com Sá Carneiro, seu "companheiro de carteira", já que os lugares no hemiciclo eram dispostos por ordem alfabética.
O grupo, onde também estavam Mota Amaral, Miller Guerra, Magalhães Mota, entre outros, era uma congregação mais ou menos desorganizada de descontentes com a ditadura, que acreditava, num momento inicial, nas potencialidades democratizadoras da "Primavera Marcelista".
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Pinto Balsemão destacou-se na defesa de um projeto de Lei de Imprensa, com Sá Carneiro, totalmente derrotada, assim como numa revisão constitucional, igualmente condenada, que defendia o regresso à eleição direta do presidente da República, mais poderes para a Assembleia Nacional e mais direitos e liberdades individuais.
Com Sá Carneiro e Correia da Cunha chegou a visitar presos políticos em Caxias.
A exceção de sucesso foi a aprovação da lei que permitiu aos diretores dos jornais deixarem de ser aprovados pelo Governo, de que viria a beneficiar a fundação do Expresso, em 1973, que esteve na origem do grupo Impresa.
Após o 25 de Abril de 1974, funda, com Sá Carneiro e Magalhães Mota, em 6 de maio, o Partido Popular Democrático (PPD) (depois PSD), de que é o militante número um.
Está em todos os momentos fundamentais do início do partido, desde a criação do nome, uma sugestão de Ruben Andresen Leitão, pseudónimo literário de Ruben A., após um telefonema de Pinto Balsemão para a redação do Expresso a pedir sugestões, dado que já existia um PSD.
Participa da redação das Linhas Programáticas do partido, aprovadas em sua casa e batidas à máquina pela sua mulher, Mercedes, assim como no I Congresso, em Lisboa, a 24 de novembro de 1974, em que é eleito para a comissão política nacional.
A morte de Sá Carneiro
Eleito deputado em 1975, 1976, 1979, 1980 e 1985, após a vitória por maioria absoluta da AD nas eleições legislativas intercalares de dezembro de 1979, é ministro de Estado Adjunto no Governo liderado por Sá Carneiro.
Na atribulada vida inicial do PSD, esteve sempre com Sá Carneiro e apesar de ter participado ativamente na redação final do documento "Opções Inadiáveis", que assinou em 1978, diz nas suas memórias que cedo percebeu que "o objetivo não era obrigar a uma discussão estratégica séria e profunda dentro do partido", mas "defenestrar definitivamente" o líder, pelo que abandonou a fação.
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Na noite de 4 de dezembro de 1980, Pinto Balsemão esperava no aeroporto de Pedras Rubras, no Porto, por Sá Carneiro, a quem convencera a estar presente no comício da campanha presidencial do general Soares Carneiro, que defrontava o presidente Ramalho Eanes, candidato à reeleição.
Sá Carneiro nunca chega ao aeroporto que décadas mais tarde terá o seu nome. O avião cai após a descolagem, em Camarate, provocando a morte de todos os ocupantes.
Balsemão fica em "estado de choque", conforme relata nas suas memórias, e não só pela morte de Sá Carneiro, mas também da companheira deste, Snu Abecassis, sua amiga, do seu primo, António Patrício Gouveia, que era chefe de gabinete do primeiro-ministro, e de Adelino Amaro da Costa, o ministro da Defesa e dirigente do CDS.
Sucederia a Sá Carneiro na chefia do Governo, tomando posse a 9 de janeiro de 1981 como primeiro-ministro do VII Governo Constitucional.
Francisco Pinto Balsemão na tomada de posse enquanto primeiro-ministro (Foto: UPI/Bettmann Archive/Getty Images)
Balsemão recorda nas memórias que, além do trauma da morte de Sá Carneiro, teria de trabalhar com um presidente da República que a AD não apoiara, mas cuja legitimidade tinha sido reforçada nas urnas, e presidia a um Conselho da Revolução "com fortes poderes constitucionais". Teve ainda que enfrentar uma "oposição forte", tendo Mário Soares como líder do PS e Álvaro Cunhal à frente do PCP, uma crise económica mundial a despontar com a subida do preço do petróleo e também o "terreno minado" pelo PSD e CDS.
A "permanente existência de frentes internas", com um Cavaco Silva "ativo e destrutivo" apoiado por Eurico de Melo (ambos tinham recusado estar no Governo), mas também Pedro Santana Lopes e os opositores congregados em torno de Helena Roseta (então do PSD) e da distrital de Lisboa, levam à sua demissão em agosto de 1981. "Enchi o saco", resume nas suas memórias.
O gesto acaba por reforçar a autoridade de Balsemão dentro do partido e toma posse como primeiro-ministro do VIII Governo Constitucional (1981-1982). Desta vez, leva para o executivo os líderes dos outros partidos da AD, Diogo Freitas do Amaral, do CDS-PP, e Gonçalo Ribeiro Telles, do PPM.
Para esse Governo entram ainda João Salgueiro nas Finanças, Ângelo Correia, para a administração Interna, Francisco Lucas Pires, para a Cultura, e Marcelo Rebelo de Sousa, que sai do Expresso para ser secretário de Estado da Presidência do Conselho. "Para o ter mais perto de mim", contou, descrevendo-o como o escorpião da fábula.
Relação com Ramalho Eanes
Tumultuadas foram também, por vezes, as relações com o presidente da República, Ramalho Eanes, chegando a haver um período em que os encontros semanais entre ambos em Belém eram gravados.
Um dos motivos dessa tensão, segundo Balsemão nas suas memórias, seria a perda de poder que Ramalho Eanes sofreria com um dos objetivos do Governo: uma revisão constitucional que acabasse com o Conselho da Revolução, ao qual o presidente da República presidia, o que só veio a acontecer em 1982.
A aprovação de uma nova Lei da Defesa Nacional seria um prolongamento lógico dessa revisão constitucional em que os militares são definitivamente submetidos ao poder eleito, o que também foi alcançado pelo seu Governo, que inovou ainda na criação na Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN).
Para Balsemão, a missão estava cumprida e renuncia ao cargo de primeiro-ministro, "depois de concluída a revisão constitucional, de fechados todos os dossiês da negociação com Bruxelas" com vista à integração de Portugal na CEE e de legitimada a sua "gestão como primeiro-ministro, pela vitória nas eleições autárquicas de dezembro de 1982".
Sempre presente na vida do PSD, Balsemão não volta a desempenhar qualquer cargo eleito, embora tenha tido um sonho presidencial, quando, em 1995, Cavaco Silva, que deixara dez anos de poder, "parecia hesitante" e "não havia um entusiasmo transbordante" com o ex-líder.
"Na altura, ponderei seriamente candidatar-me", escreveu nas suas memórias.
Sondado por várias pessoas sobre uma candidatura, incluindo do PS, Balsemão chega "a ter uma conversa, num almoço no Gambrinus", com António Guterres, então secretário-geral dos socialistas, mas Fernando Nogueira, líder do PSD, "não morria de entusiasmo pela hipótese e, mais do que isso, já estava comprometido com Cavaco, se este quisesse avançar". E Balsemão não avançou à margem do partido de que é militante n.º 1.