As denúncias de abusos sexuais de menores pela Igreja Católica tornaram-se mais frequentes no final do século XX e início do século XXI, mas a maioria dos casos continua encoberta e raramente desencadeia ações judiciais com consequências para os perpetradores.
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A nível mundial, não existem números fidedignos, apesar de vários países terem elaborado relatórios ao longo de vários anos, com consequências diversas. O Papa Francisco já declarou que "um caso de abuso sexual de menores na Igreja Católica já é um caso a mais" e tem prestado atenção às denúncias e afastado os respetivos autores, independentemente de quão alto seja o lugar que ocupam na hierarquia eclesiástica.
Alemanha
O relatório da investigação pedida pela Conferência Episcopal revelou, em 2018, que 3 677 menores foram abusados por parte de 1 670 membros do clero. De acordo com o estudo, que abrangeu o período entre 1946 e 2014, apenas um terço das denúncias de abuso foram investigadas e os responsáveis não foram sujeitos a qualquer punição ou processo judicial.
Austrália
Criada em 2012 por iniciativa governamental, a comissão australiana apurou que, entre 1950 e 2015, foram cometidos crimes contra cerca de 4 500 menores por parte de 1 800 membros da Igreja. O cardeal George Pell, falecido em janeiro último, foi condenado a seis anos de prisão por abuso de dois rapazes. Cumpriu 405 dias de cadeia, até ao Supremo Tribunal anular a sentença. O ex-arcebispo de Adelaide, Philip Wilson, foi, inicialmente, condenado a 12 meses de prisão domiciliária, por ter encoberto os crimes sexuais cometidos por um padre, mas seria depois absolvido.
Áustria
Após uma série de revelações, surgidas no início de 2010, de casos de abusos sexuais e maus tratos por sacerdotes, entre as décadas de 1960 e 1980, a Igreja austríaca determinou a criação de uma comissão de inquérito. Foram identificados cerca de 800 casos e concedidos cerca de milhões de euros de indemnização às vítimas.
Chile
Segundo o estudo dos abusos no Chile, divulgado em 2020, houve 194 religiosos acusados de abusos sexuais de menores, cometidos entre 1970 e 2019. Destes casos, 52 foram ou estão ainda a ser investigados apenas pela justiça canónica, 18 pela justiça civil e 16 por ambas. Em maio de 2018, todos os bispos chilenos apresentaram a renúncia ao Papa. Pelo menos sete deixaram o cargo. Houve ainda padres suspensos.
Bélgica
A comissão interdiocesana para a proteção das crianças e dos jovens recebeu mais de 1000 denúncias de abusos sexuais por parte de membros da Igreja Católica. Entre 2012 e 2015, a Igreja pagou indemnizações a vítimas no valor de 3,9 milhões de euros, através da fundação Dignidade, criada pela conferência episcopal belga. As indemnizações previstas pelo centro de arbitragem, criado a pedido do Parlamento belga, vão desde os 2500 euros nos casos de atentado ao pudor, aos 25 mil euros para as violações repetidas e graves.
EUA
A Igreja americana recebeu, entre 1950 e 2013, denúncias de cerca de 17 000 vítimas, acusando 6 400 membros do clero por crimes cometidos entre 1950 e 1980. Só em Boston, um relatório da Universidade de Justiça Criminal John Jay, de Nova York, concluiu que, entre 1950 e 2002, um total de 10 667 pessoas acusaram 4 392 clérigos de abusos sexuais de menores. Destes, só 252 foram condenados e 100 acabaram presos. Um relatório do Grande Júri da Pensilvânia, publicado em 2018, revelou abusos sexuais praticados por mais de 300 "padres predadores", vitimizando, pelo menos, mil crianças. Nos EUA, mais do que uma diocese faliu devido às indemnizações, incluindo a de Boston
Espanha
Em março do ano passado, a Conferência Episcopal Espanhola revelou que, desde 2020, registou mais de 500 casos de abuso sexual.. A Igreja pediu um estudo, liderado por um advogado, a concluir nos próximos meses. Num balanço provisório, o jurista estimou existirem "entre 1 000 a 2 000" vítimas.
França
O relatório francês estimou que 330 mil crianças foram vítimas de abuso sexual nos últimos 70 anos por cerca de 3 000 padres e outros membros não sacerdotes, como catequistas. A Igreja francesa anunciou a venda de património para indemnizar as vítimas. Até outubro do ano passado, havia 1 500 pedidos de indemnização, mas só perto de 40 já tinham sido ressarcidas. Em novembro último, o Vaticano anunciou a abertura de uma investigação a um cardeal francês que confessou ter abusado de uma menina há 35 anos. Neste mesmo mês, foi revelado pelo presidente da Conferência Episcopal que onze bispos ou ex-bispos foram indiciados pela justiça civil francesa ou pela justiça da Igreja por abusos sexuais.
Irlanda
No ano 2000, acusações de abusos sexuais cometidos durante décadas colocam em xeque a credibilidade das instituições católicas. Mais de 14 500 crianças teriam sido vítimas. Vários bispos e padres, acusados de esconder esses atos, foram punidos. Segundo dados da organização Bishop Accountability, citados recentemente pelo El País, dos clérigos irlandeses acusados, só 82 foram condenados pela Justiça.
Itália
A Conferência Episcopal Italiana (CEI) recebeu, em 2020 e 2021, 89 denúncias. Segundo o relatório, divulgado em novembro de 2022, entre os alegados abusadores estão 30 padres, 23 leigos e 15 religiosos. Aos suspeitos foram proporcionados cursos de "reparação e conversão", incluindo a colocação em "comunidades especializadas de acolhimento" e "acompanhamento psicoterapêutico". Um outro relatório, da associação Rete L'Abuso, aponta para mais de 400 padres abusadores. Em fevereiro último, esta organização revelou que nos últimos 15 anos, 164 padres foram condenados por abuso sexual de menores em Itália e 88 não chegaram a ser investigados devido a prescrição.