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No dia 23 de julho o Mundo foi surpreendido por mais uma pirotragédia, desta vez nos arredores de Atenas. Estes eventos têm sido designados como megaincêndios e atribuídos às alterações climáticas em curso. Tratou-se na verdade de dois fogos de curta duração que "apenas" queimaram cerca de 4000 e 1000 hectares. A escala é, portanto, claramente inferior à dos incêndios de Pedrógão Grande e do dia 15 de outubro de 2017
Na Grécia, o vento alcançou velocidades máximas próximas de 100 km/hora e foi o factor chave na progressão do fogo, tal como nos vários incêndios que em 2017 causaram vítimas mortais no mundo. Em Portugal, os ventos associados à trovoada (em Pedrógão Grande) e ao ciclone Ofélia favoreceram a rápida expansão dos incêndios, cuja interação com a atmosfera culminou nas tempestades de fogo das quais resultaram as mortes. Tal não sucedeu na Grécia, onde os fogos não alteraram significativamente a atmosfera envolvente. Logo, também no que respeita ao comportamento do fogo é visível uma diferença de escala.
O primeiro semestre de 2018 foi o mais quente na Grécia desde que há registos. O grau de seca era bastante elevado. Podemos atribuir às alterações climáticas a severidade dos incêndios que destruíram Kitena e Mati? Não, pois o extremo perigo de incêndio registado no dia 23 de julho (em Mati o valor mais elevado em 30 anos) se deveu ao aumento da velocidade do vento; antes e depois o nível de perigo foi inferior à média da época.
Kitena e Mati desenvolveram-se no seio dos característicos pinhais do litoral da Grécia. A urbanização, desordenada e desregulada, apenas eliminou o coberto florestal estritamente necessário, possivelmente para preservar a amenidade natural. As imagens existentes mostram ruas estreitas e muita vegetação, natural ou ornamental, em alternância e em contacto com as habitações, formando um contínuo de combustível que nos EUA é designado como intermix urbano-florestal. Não surpreende então a facilidade com que o fogo atravessou este espaço híbrido situado entre a floresta e o mar. A elevada densidade populacional no interior da mancha ardida que abarcou Mati (192 e 2112 habitantes por km2, respectivamente valores médio e máximo) e a dificuldade em escoar a população num curto espaço de tempo anteveriam vítimas em caso de incêndio.
A ocorrência de uma pirocatástrofe ao estilo Californiano na bacia do Mediterrâneo era uma questão de tempo, dada a abundância das situações de intermix, que facilmente podemos identificar também em Portugal. Acabou por suceder, após numerosos avisos e alguns simulacros, como os incêndios que entraram no Funchal. Estarão agora os governos, comunidades e pessoas que usufruem do litoral do sul da Europa cientes da necessidade de se protegerem da visita do fogo, ou continuarão alheios ao risco existente, confundindo a verdura da vegetação Mediterrânica com o paraíso?
* ENGENHEIRO FLORESTAL E PROFESSOR DA UTAD