Nos centros urbanos o tempo escasseia. Aliar a vontade de ter um animal de estimação a um dia a dia intenso pode ser uma tarefa hercúlea. Por isso, muitos portugueses já contratam outras pessoas que levam os seus amigos de quatro patas à rua, num evidente esforço para garantir o bem-estar dos "pets"
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O crime de abandono de animais aumentou com a pandemia. No entanto, as adoções também dispararam. É exemplo Loures, onde o Centro de Recolha de Animais registou, em 2020, 278 adoções, quando em 2019 o número se tinha fixado nas 140. Há mais gente a ter animais de estimação e, consequentemente, a preocupar-se com o seu bem-estar. Sobretudo para os que vivem nas grandes cidades, onde um quotidiano frenético e a habitação em apartamentos pode dificultar a tarefa. Por isso, é cada vez mais comum os portugueses recorrerem a serviços de "dog walking" ou de "dog sitting". As profissões que já há vários anos viraram moda nos Estados Unidos são uma realidade recente em Portugal. Mas crescem a cada dia que passa.
Ainda não há um termo corrente em língua portuguesa para definir a profissão de quem passeia cães ("dog walker") ou de quem toma conta deles durante parte do dia ("dog sitter"). Mas o certo é que já há muitos portugueses a assumir a atividade como ocupação a tempo inteiro. Que o diga Linda Brites, de 31 anos, que começou aos 22 nessas lides, quando ainda poucos o faziam em Coimbra, onde vive. Deixou dois empregos - nas limpezas e num café -, um deles com contrato de efetiva, para fazer o que descobriu amar: ser treinadora de cães, "dog walker" e "dog sitter".
Não seria errado chamar-lhe "encantadora de cães", à semelhança do programa televisivo, protagonizado pelo treinador de cães mexicano Cesar Millan, que a inspirou. Ou não passeasse ela, de forma exímia, uma matilha com uma dezena de cães, em simultâneo, nas ruas da baixa conimbricense.
O passeio urbano é bom para eles se habituarem a estímulos como sons, cheiros e pessoas
Linda recebe olhares de espanto. Dão-lhe os parabéns pelo trabalho, pedem-lhe para fazer festinhas aos cães. Agradece a todos com doçura no olhar. "Tenho 19 cães em regime de passeio. Uns todos os dias, outros só algumas vezes por semana. Há dias em que tenho de os dividir em dois grupos e passeio uns de manhã e outros à tarde. Escolhi esta profissão porque percebi que me ia fazer feliz", conta a "dog walker", ao longo do passeio de uma hora, que passa pelo Parque Verde do Mondego e, depois, pela movimentada Rua Ferreira Borges. "O passeio urbano é bom para eles se habituarem a estímulos como sons, cheiros e pessoas", revela Linda, das poucas profissionais no país a fazer passeios em matilha. Além disso, possibilita aos animais gastarem energia e "um cão cansado é um bom cão".
A solidão é, para muitos cães, um fator de stress e de ansiedade. E nas grandes cidades, com a vida atarefada dos donos, pode intensificar-se. Daniel Torrão, médico veterinário na Clínica Veterinária da Sé, em Aveiro, explica, contudo, que "é necessário conhecer cada cão, cada raça e o caráter de cada animal, pois há uns que lidam melhor com a solidão do que outros".
Não conseguia fazer um passeio tranquilo com ele, porque tinha medo de tudo. Precisava de ajuda na socialização. Agora, já está muito diferente
No entender do médico veterinário, os donos devem dar, "pelo menos, dois passeios diários com os seus cães - um de 30 minutos e outro de uma hora -, para fazer os gastos de energia necessários". É que o stress num animal pode desencadear comportamentos como "roer a casota, urinar e defecar fora dos locais indicados ou o lamber excessivo". Mas, acima de tudo, Daniel Torrão defende que é "essencial definir e manter rotinas". E nesse campo inclui-se "não alterar a hora dos passeios habituais".
Sem falhar, Luís Trindade, de Coimbra, passeia o Piloto - um cão rafeiro com três anos - de quatro em quatro horas, por trabalhar por conta própria e ter essa disponibilidade. Mesmo assim, não prescinde dos serviços de Linda Brites, a quem recorreu, em agosto do ano passado, por o seu cão ter "necessidades especiais, pois tinha sido maltratado e atropelado". "Não conseguia fazer um passeio tranquilo com ele, porque tinha medo de tudo. Precisava de ajuda na socialização. Agora, já está muito diferente", conta.
Os motivos para recorrer a um "dog walker" ou a um "dog sitter" são diversos. Pedro Nunes, proprietário da "Cão Pião", que opera em Sintra, Oeiras e Cascais, diz que muitos dos seus clientes "não têm tempo para fazer face às necessidades do animal". Por outro lado, também tem quem contrate os seus serviços por "já ter uma idade mais avançada e não ter capacidade de fazer os passeios diários".
Pedro começou a atividade há quatro anos. Oferece uma série de serviços, entre os quais "creche" - em que os cães ficam à sua guarda todo o dia -, passeios, visitas ao domicílio para higienização dos espaços e companhia dos animais quando os donos vão de férias, transporte ao veterinário, entre outros. "Há cada vez mais procura, até porque cada vez há mais pessoas a terem animais. E há cada vez mais gente a dedicar-se a isto como profissão", adianta.
Ajuda a pessoas em isolamento profilático
Linda Brites diz não ter mãos a medir, entre os passeios, o "dog sitting" e os treinos. Mesmo com a pandemia, os seus dias continuam a ser passados a receber lambidelas e a melhorar a vida dos animais que tem a cargo. Até porque "muitos donos querem manter esta componente da socialização, pois os cães, tal como os humanos, são seres sociais". Pedro Nunes, por seu turno, ressalva que "o facto de haver muitas pessoas em isolamento profilático" também causou, no seu caso, um aumento da procura dos passeios diários.
O certo é que, em tempos de confinamento, mais pessoas estão a trabalhar em casa e, consequentemente, têm mais disponibilidade para os animais. O que não invalida, contudo, que as rotinas se alterem, no que aos amigos de quatro patas diz respeito. Daniel Torrão é perentório quando reforça a importância de "não alterar as rotinas dos cães de forma abrupta". Mas, no final, assegura o médico veterinário, uma das coisas mais importantes é, sempre, "trabalhar os laços com os animais"