Passeios estreitos continuam a ser uma realidade perigosa nas nossas cidades. Pedonalização atenua mas não acaba com o problema.
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São filhos de um passado em que serviam apenas para resolver problemas de conflitualidade entre os carros dentro das cidades (que tinham prioridade) e os peões. Hoje, são enteados, esquecidos em obras de restruturação. Os passeios estreitos continuam a ser um grande problema. Passamos quase todos os dias neles mas só reparamos (e nos indignamos) quando deparamos com uma pessoa com deficiência, um idoso ou uma mãe com um carrinho de bebé a serem obrigados a descer à via com automóveis para prosseguirem viagem. Ou uma queda feia, por vezes fatal.
Não há estatísticas que assinalem estes casos, apenas se sabe que há pessoas que morrem quando circulam em passeios estreitos, ora porque tropeçam e caem na estrada, ora por serem apanhadas desprevenidas nas caminhadas. Mário Alves, da Associação de Cidadãos Automobilizados, refere que, nas cidades, os problemas de sinistralidade são sempre maiores e chama a atenção para outras questões, como "o estacionamento em cima deles, assim como as ciclovias desenhadas nos passeios, deixando ao peão uma tira estreita para caminhar". Aquele responsável aponta para uma publicação recente da Organização Mundial de Saúde, assim como para o relatório da OCDE, que indicam "o estacionamento ilegal como uma das principais causas de perigo para peões em zonas urbanas". Mas, prossegue, "não têm em conta incidentes como queda de peões nos passeios. Sabe-se que 75% das hospitalizações de peões são consequência deste tipo de ocorrências e muitas delas em idosos podem resultar em morte ao fim de meses".
História das cidades
O presidente da Associação Portuguesa de Urbanistas, Luís Pedro Cerqueira, explica que se trata de um problema que cresceu com a história das cidades, a partir do momento em que os automóveis passaram a ser mais importantes do que as pessoas. A preocupação de separar peões de viaturas (à altura carroças, carruagens e animais) começou, em Lisboa, com o Marquês do Pombal e, a Norte, com João de Almada (obreiro da expansão urbana do Porto no século XVIII e o principal responsável pela organização da Baixa).
O geógrafo Rio Fernandes explica que, em muitas cidades onde não é possível eliminar o problema, contorna-se com a pedonalização, retirando os carros dessas zonas e dando espaço aos peões. O professor da Universidade do Porto conta que o problema das ruas espaçosas e passeios estreitos alargou-se às periferias e é onde continua mais visível.
Mas esse problema não foi de todo erradicado e há muitos (maus) exemplos nas nossas cidades. Olhando para os registos da sinistralidade, verifica-se que a mortalidade de peões em Portugal está acima da média europeia, na sua maioria envolvendo maiores de 65 anos. Dados comparativos da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) mostram que a maioria dos atropelamentos acontece dentro das localidades (morreram 101 pessoas em 2017, mais quatro do que no ano anterior) e 29 pessoas fora das localidades em 2017, mais três do que em 2016. Peões que transitavam pela berma ou no passeio, segundo a ANSR, morreram 14 em 2017, mais quatro do que no ano anterior.