O Comité Central (CC) do PCP elege, este sábado, Paulo Raimundo como secretário-geral. Ao JN, João Frazão, da Comissão Política dos comunistas, reconhece que o novo líder, de 46 anos e militante há 28, "não é o quadro mais mediatizado", mas destaca-lhe qualidades políticas e pessoais "que se vão revelar muito rapidamente". Para o historiador José Neves, esta escolha é sinal de que, mais do que catapultar-se nas urnas ou na esfera mediática, o partido quer voltar a privilegiar a "mobilização cívica, social e política".
Corpo do artigo
João Frazão admite que a indicação de Paulo Raimundo podia não ser esperada por todos os militantes. "O secretário-geral sinalizou que era natural que houvesse alguma surpresa", afirma.
Tal como Jerónimo de Sousa, Frazão não fala uma decisão unânime, mas garante que o nome gerou uma "ampla convergência de opiniões". Prova disso, sustenta, é o facto de a notícia "não ter transpirado" para fora do partido durante a semana em que "cerca de 200 pessoas" - os membros do CC e alguns outros quadros - ficaram a saber quem seria o nome proposto.
Sobre Paulo Raimundo, João Frazão reconhece que, apesar da "larga experiência" acumulada - é membro do CC desde 1996 e funcionário do partido desde 2004 - este "não é o quadro mais mediatizado". Contudo, acredita que a escolha dará frutos, graças às várias qualidades do novo secretário-geral: além de ter "grande capacidade de trabalho e dedicação", Raimundo deposita "grande energia em tudo o que faz", "estuda bastante" e possui "qualidades humanas que se vão revelar muito rapidamente". O primeiro discurso do novo rosto principal do PCP ocorre no domingo, na Conferência Nacional do Partido. Passados os seis anos de geringonça, é nessa reunião de Corroios que, segundo Frazão, os comunistas vão voltar a olear a máquina da "ação e luta de massa".
É precisamente esse reforço do combate político que, no entender do historiador José Neves, está na base da escolha de Paulo Raimundo. Segundo o professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o PCP fez o "diagnóstico" de que os principais desafios que se avizinham "não são a nível institucional e mediático", mas sim relativos aos "défices de mobilização cívica, social e política" nos setores populares ligados ao mundo do trabalho, à intelectualidade ou ao território.
Nesse sentido, mais do que encontrar um nome que permita corrigir "um desempenho eleitoral e mediático que deixa a desejar", o PCP terá querido, de acordo com José Neves, "facilitar uma resposta ao nível da mobilização".
É por isso que, questionado sobre se foi surpreendido pela escolha de Paulo Raimundo, o académico hesita, antes de responder com certa ironia: "Foi surpreendente até ouvir o nome; depois, de alguma maneira, percebe-se facilmente o sentido da escolha". O processo, refere, serviu para lembrar "aquilo que nunca devíamos ter esquecido": que "a lógica do PCP não é homóloga à dos outros partidos".
Campanha anticomunista teve impactos sérios
João Frazão realça que a Conferência Nacional, que decorre no sábado e no domingo, foi convocada para responder às "novas realidades" que o país vive. Desde logo a maioria absoluta do PS, à qual acresce a "redução da expressão eleitoral e parlamentar do PCP" - um elemento "que é novo". A recente "vulnerabilidade" do país devido à inflação, bem como a "intensificação da campanha antidemocrática e anticomunista", completam o panorama que levou os comunistas a pararem para refletir.
E, nesse quadro, terá o PCP capacidade para se reerguer? Frazão volta a referir a "campanha antidemocrática de forte pendor anticomunista", desta vez para argumentar que ela teve "impactos sérios" nos resultados do partido. Contudo, rejeita que a atual situação seja definitiva: "Como o meu camarada Jerónimo de Sousa costuma dizer, as vitórias não nos descansam e as derrotas não nos paralisam", refere.
José Neves, que é autor do livro "Partido Comunista Português, 1921-2021", também considera que a perda de influência desta força política "não é irreversível". Contextualiza a quebra do partido no qual chegou a militar no quadro do "grande declínio" da "Esquerda anticapitalista em geral" após a queda do muro de Berlim, em 1989. Defende que essas ondas de choque ainda se fazem sentir, apesar de o PCP se ter "aguentado bem" até recentemente.
PCP está "muito à vontade" com grau de democracia interna
Questionado sobre os moldes em que o secretário-geral é eleito, João Frazão responde que os membros do PCP estão "muito à vontade" com esse processo de escolha. Garante que houve "milhares de militantes" envolvidos nas discussões, ao longo de "centenas de reuniões" que foram sendo realizadas. Também realça as propostas de alteração que os militantes fizeram ao projeto de resolução da Conferência. Segundo afirmou fonte do partido à Lusa, foram mais de 500.
Aos que questionam os métodos do PCP, Frazão pede que apliquem os mesmos critérios às restantes forças políticas: "Acho extraordinário que ninguém fale da opacidade com que os outros partidos discutem as suas opções de fundo", afirma. Nos últimos congressos de PS e PSD, diz não ter visto "nenhuma discussão de conteúdos", já que tudo o que saltou à vista foram "guerrilhas e promoção de rostos".
José Neves concorda que, no PCP, existe um "número relativamente ímpar" de reuniões. Isto porque, no entender do historiador, se trata de um partido "de militantes e não de quadros - e, muito menos, de lideranças".
"O PCP tem uma conceção muito centralista e muito democrática do seu funcionamento", refere o académico. Ou seja: embora exista um "debate democrático muito intenso", este é, ao mesmo tempo, "orientado para a ideia de uma vontade unificada" e de um "comportamento em bloco". O centralismo democrático, método usado pelos partidos marxistas-leninistas, postula que a discussão interna deve originar uma posição maioritária; esta, uma vez encontrada, deverá ser defendida por todos os militantes, como forma de fortalecer o partido.
Neves avalia o grau de democracia interna do PCP: "num conceito liberal de democracia", o partido será, sem dúvida, visto como "pouco democrático"; já numa perspetiva "mais basista", os moldes de organização dos comunistas são, a seu ver, "um exemplo a seguir".
Sobre o rescaldo da geringonça, José Neves mostra reservas em estabelecer "uma relação direta" entre essa solução parlamentar e o declínio do PCP - que, nas legislativas de janeiro, passou de dez deputados (12, se se contabilizarem os dois do PEV) para seis, o número mais baixo de sempre. "E acho que o PCP também tende a não fazer isso", refere, lembrando que a geringonça "não impediu que o PS, o seu principal protagonista, crescesse".
Já João Frazão responde, quando questionado sobre se o apoio parlamentar ao PS prejudicou os comunistas, que o PCP deu esse passo tendo "única e exclusivamente" em conta "aquilo que era melhor para o povo português". Continua a fazer um balanço "positivo" desses anos, destacando conquistas como a subida do salário mínimo, os aumentos extraordinários de pensões ou a redução do preço dos passes de transportes, das taxas moderadoras e das propinas. Um ano após o chumbo do Orçamento que pôs fim à geringonça, diz ter ficado "comprovado" que o PCP agiu bem ao votar contra o diploma: "Tínhamos razão", conclui