Tribunal confirma recusas de proteção internacional, por norma. Chumbado pedido de marroquinos desembarcados no Algarve.
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Portugal recebeu 1849 pedidos de proteção internacional, no ano passado. Exceto uma descida em 2018, o número cresce ano após ano. Desde 2014, os pedidos aumentaram 314%. Mais de metade, todavia, foi recusada em primeira instância.
No relatório AIDA, escrito pelo Conselho Português para Refugiados (CPR), nota-se que 67% das pessoas que pediram ajuda ao abrigo da Lei do Asilo viram o pedido chumbado. Mesmo assim, o acolhimento está a rebentar pelas costuras.
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Há muito que as instalações do CPR não chegam para todos os requerentes de proteção internacional. Os dois centros (para adultos e crianças) têm capacidade para 65 pessoas, mas davam teto a 101. A situação é particularmente grave no caso das crianças: vivem 27 num espaço desenhado para 13.
Com instalações já sobrelotadas, o CPR aluga quartos em hostéis ou apartamentos. Era lá que viviam 82% das 1866 pessoas que acolhia, no final do ano passado - uma realidade trazida à luz da opinião pública quando foram detetados focos de transmissão de covid.
Mesmo com o recurso a alojamento alternativo, o CPR não conseguiu dar resposta durante três meses. O aumento dos pedidos, a demora na disponibilização de alojamento por outras instituições, a escassez de apartamentos e as rendas altas forçaram o CPR a recusar novos pedidos. Entre agosto e outubro de 2019, só recebeu pessoas vulneráveis, como mulheres grávidas ou famílias com filhos. Para as restantes, foi o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que encontrou alojamento em hotéis, espalhados pelo país.
Angola e guiné chumbados
Quando o pedido de proteção é recusado, o requerente pode recorrer para tribunal. No ano passado, 552 pessoas fizeram isso mesmo, quase todas (525) junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, mais 40% do que no ano anterior. Mas poucas conseguiram reverter a recusa. Só 86 decisões foram a favor do queixoso e, ainda assim, as autoridades tardaram a cumprir a decisão do tribunal, lamenta o CPR.
A larga maioria das sentenças (324) confirmou a recusa do pedido. Guiné-Bissau (86), Gâmbia (73), Angola (59), República Democrática do Congo (39) e Guiné (35) foram as nacionalidades que mais recursos interpuseram. Percebe-se porquê quando se olha para a lista de recusas, por país: não foi aceite qualquer pedido feito por cidadãos de Angola, Gâmbia, Guiné-Bissau e Senegal. Já no caso dos ucranianos, quase metade dos pedidos foi aceite.
O AIDA refere o caso dos 19 cidadãos marroquinos desembarcados no Algarve em dezembro do ano passado e janeiro deste ano. Ao JN, o SEF adiantou que todos pediram proteção internacional. Nove pedidos ainda estão em análise e os restantes dez "foram considerados infundados" e, portanto, foram recusados, disse fonte oficial. A recusa não impede, todavia, que peçam autorização para viver em Portugal, ao abrigo da Lei de Estrangeiros, e procurem ter autorização de residência.
CRÍTICAS
Advogados sem escrúpulos
O CPR reconhece as dificuldades no aconselhamento jurídico que presta: porque há cada vez mais pessoas a pedir proteção, é difícil aceder ao centro de detenção de Lisboa e há advogados, numa "atividade sem escrúpulos", que "prestam um mau serviço a troco de honorários altos".
Requerentes vulneráveis
A lei manda tratar de forma especial os requerentes considerados vulneráveis, por razões de saúde, identidade de género ou orientação sexual, ou por serem vítimas de tortura ou violência sexual, entre outros. Mas, nota o CPR, não há mecanismos sistemáticos para os identificar.
Genitais para obter idade
É uma prática que o CPR apelida de "lamentável", mas que foi posta em prática em 2019 pelo Instituto de Medicina Legal: uma das formas de avaliar se um requerente é menor de idade foi através do exame dos genitais.
Perdido na tradução
A falta de intérpretes é uma das falhas apontadas pelo CPR nas entrevistas feitas a quem pede que seja reconhecido o estatuto de refugiado ou dada proteção subsidiária.
O que é um refugiado?
Uma das formas de proteção internacional é o estatuto de refugiado, dado a quem receia ser perseguido devido à raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um grupo social.
E proteção subsidiária?
É dada a quem não reúne condições para ser refugiado, mas corre um risco real de ofensa grave se regressar ao seu país.