A forma como a Foxtrot Aventura foi contratada para entregar golas antifumo e kits de autoproteção viola a lei da contratação pública. Portugal pode ser obrigado a devolver fundos europeus.
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O caso dos materiais para o Aldeia Segura já chegou à Procuradoria-Geral da República, que está a investigar a compra das golas e, a pedido de António Costa, vai dar um parecer sobre a participação da empresa do filho do secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, em contratos com entidades públicas.
Em Portugal, a regra manda o Estado comprar bens e serviços através de concurso público. Mas a Foxtrot Aventura, que forneceu as golas antifumo e os kits de autoproteção, foi contratada pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) mediante a figura legal da consulta prévia.
Tal como o ajuste direto, a consulta prévia consta do Código de Contratos Públicos, mas como exceção e mediante critérios apertados: valor inferior a 75 mil euros, após um concurso público que tenha ficado deserto, se em causa estiver um produto só com um fornecedor ou um espetáculo artístico, por exemplo, explicaram ao JN os professores de Direito Administrativo João Pacheco de Amorim e António Francisco Sousa. Ou a urgência.
Uma questão de urgência
A urgência será a fundamentação jurídica para a contratação da Foxtrot Aventura. Mas, lê-se no Código, só pode ser feita "na medida do estritamente necessário" e desde que haja "motivos de urgência imperiosa" que resultem "de acontecimentos imprevisíveis".
"São condições cumulativas e nenhuma se verifica no caso do programa Aldeia Segura", assegura Pacheco Amorim. A compra das golas e dos kits "nem é estritamente necessária nem decorre de uma urgência imperiosa ou acontecimento imprevisível. Infelizmente, sabe-se que todos os anos há incêndios", soma António Francisco Sousa.
Para mais, o programa foi criado em outubro de 2017, por uma resolução de Conselho de Ministros, mas a Foxtrot Aventura só foi contratada em maio e junho de 2018 - mais de meio ano depois.
Quanto aos valores, a ANEPC pagou 102 mil euros mais IVA pelas golas antifumo e 165 mil euros pelos kits de autoproteção - muito acima do limite de 75 mil euros.
Devolver dinheiro europeu
Porque ultrapassa o valor limite e porque não há fundamento para a consulta prévia, os dois professores concordam que a despesa foi feita de forma irregular. E, se assim foi, José Soeiro não duvida: o investimento não pode ser financiado pelo Programa Europeu para a Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR), disse ao JN o antigo presidente da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, responsável pela coordenação dos fundos europeus. "A candidatura deve ser anulada", assegurou. O JN sabe que o POSEUR já validou a despesa e reembolsou a ANEPC, pelo que o dinheiro poderá ter de ser devolvido.
O JN enviou uma extensa lista de questões à Administração Interna (que conduziu o processo) e à ANEPC (que o executou), mas não teve resposta. Também inquiriu o POSEUR, mas fonte oficial invocou o inquérito da Inspeção-Geral da Administração Interna para não responder.