Portugal criticado por defender solução de dois Estados sem reconhecer Palestina
A relatora especial da ONU para os territórios palestinianos ocupados apontou, esta quinta-feira, o que diz ser a "incoerência" de Portugal e outros países europeus de defender a solução de dois Estados sem reconhecer o Estado da Palestina.
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"Continuamos a falar de uma solução de dois Estados sem reconhecer o Estado da Palestina. Só mostra a incoerência, a inconsistência, a incapacidade de fazer o que se diz", disse Francesca Albanese, numa audição pública na Assembleia da República.
Para Albanese, a questão prioritária neste conflito já nem é o reconhecimento da Palestina, mas sim contribuir para "acabar com o massacre de pessoas em Gaza, e que se está a estender à Cisjordânia".
Numa sessão onde apenas marcou presença a esquerda parlamentar (PS, BE, PCP, Livre e PAN), a relatora da ONU lamentou ser recebida em Portugal, tal como nos restantes países ocidentais, apenas por partidos de esquerda, apelando a que seja incutida a ideia de que esta matéria não pode estar dependente de "partidarismo".
"Pergunto-me o que se passa com as pessoas. Porque é que quando vou a países ocidentais, os únicos deputados que se encontram comigo são de esquerda, onde estão os outros? Peço-vos, realmente, que tentem incutir este sentimento de que não se trata de partidarismo. A vida humana não pode ser considerada sob a bandeira de um ou outro partido. Não há diferença entre a vida israelita e a vida palestiniana", declarou.
Francesca Albanese lembrou ainda as palavras de António Guterres, em outubro do ano passado, quando referiu que os ataques do Hamas "não aconteceram no vácuo", concordando com o secretário-geral da ONU e sublinhando que "há décadas que os palestinianos são vítimas de humilhação, perseguição, 'apartheid', confisco de terras, demolição de casas, medidas punitivas e prisões e decisões arbitrárias".
A relatora da ONU pediu ainda que fosse reconhecido o genocídio do povo palestiniano perpetrado por Israel, defendendo que "há uma vasta jurisprudência que permite determinar que Israel comete genocídio".
Apelou ainda a que fosse lembrado o "passado negro" europeu, no qual "o Holocausto não foi o primeiro, nem o único genocídio" da Europa e que Portugal também "sabe alguma coisa sobre isso".
"Devido ao nosso passado negro, devemos ser capazes de ser diferentes hoje. E também mostrar ao Sul global que não nos podemos prender ao passado. E a Palestina é o teste de hoje", concluiu.
A relatora especial da ONU para os territórios palestinianos ocupados defendeu ainda que Portugal deveria "juntar-se à África do Sul" no processo contra Israel, que acusa o executivo de Telavive de genocídio na Faixa de Gaza. Francesca Albanese defendeu que Portugal, "devido ao seu passado colonial", deve juntar-se à África do Sul para fazer avançar o processo apresentado, no final do ano passado, no Tribunal Internacional de Justiça contra Israel por violação da Convenção Sobre Genocídio. Albanese pediu que não se aproveite a integração de Portugal na União Europeia para evitar tomar posições sobre as ações movidas contra Israel, no contexto do conflito no Médio Oriente.
Na sua intervenção no debate geral da 79.ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a 26 de setembro, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, defendeu ser "imperativo retomar negociações com vista à implementação da solução dos dois Estados - a única que poderá trazer estabilidade à região".