Em 2021, vendas de medicamentos sujeitos a receita médica subiram e as dos suplementos desceram. Médicos, farmacêuticos e doentes alertam que acesso não é equitativo por falta de comparticipação.
Corpo do artigo
As vendas nas farmácias de medicamentos sujeitos a receita médica para a obesidade aumentaram 26% em 2021 face ao ano anterior, enquanto os fármacos de venda livre e os suplementos alimentares estão a perder terreno. Estarão os doentes mais conscientes da importância do acompanhamento médico para tratar a obesidade? Os números apontam nesse sentido, deixando médicos, farmacêuticos e associação de doentes satisfeitos. Mas todos sabem que o acesso a estes medicamentos, com resultados cientificamente comprovados, não está ao alcance de todos. Enquanto não forem comparticipados, esta doença crónica que atinge milhões de portugueses, não tem travão.
15076160
O mercado total das vendas nas farmácias de medicamentos para a obesidade, com e sem receita médica, e dos produtos para emagrecer (como os suplementos, drenantes, redutores de apetite e substitutos de refeições) vale 19,3 milhões de euros. Mas sofreu uma quebra entre 2019 e 2021, em termos de embalagens vendidas: passou de 998 mil para 894 mil. No primeiro semestre de 2022, manteve-se a tendência, com uma redução de 12% das unidades vendidas face ao período homólogo de 2021, revelam os dados preparados para o JN pela HMR, uma empresa de estudos de mercado do grupo ANF.
Venda livre vale 14,6 milhões de euros
A redução das vendas resulta sobretudo da quebra registada nos produtos de venda livre (menos 12% entre 2019 e 2021), que incluem os medicamentos sem receita mas também os chamados produtos naturais. Apesar da diminuição, este conjunto representa 95% do mercado de emagrecimento e atingiu os 14,6 milhões de euros em 2021.
Numa escala menor, mas em sentido contrário, vão os medicamentos para a obesidade sujeitos a receita médica. Em 2021, venderam-se cerca de 49 mil embalagens num total de 4,8 milhões de euros, mais dez mil unidades do que no ano que antecedeu a pandemia (mais 1,1 milhões). A tendência de subida manteve-se no primeiro semestre deste ano: mais 1592 embalagens vendidas do que no mesmo período do ano passado.
"Emagrecem a carteira"
68% dos portugueses têm excesso de peso ou obesidade, sendo que daqueles 28,7% têm obesidade. 200 doenças pelo menos, incluindo vários cancros, são causadas pela obesidade.
Diana Amaral, da direção da Associação Nacional de Farmácias (ANF), acredita que as alterações nas vendas refletem um trabalho que tem vindo a ser feito pelas farmácias de encaminhamento de doentes com índice de massa corporal elevado para consultas médicas. "Detetamos os valores, aconselhamos o doente e redigimos uma carta para o médico", explicou a responsável, precisando que o trabalho começou em 2021.
Para o presidente da Associação de Doentes Obesos e Ex-obesos de Portugal (Adexo), Carlos Oliveira, a alteração observada terá duas razões: há cada vez mais pessoas a perceber, por um lado, que a obesidade é uma doença biológica que exige acompanhamento médico e, por outro, que os suplementos "só emagrecem a carteira".
Apenas os medicamentos aprovados por entidades da Saúde, como o Infarmed, têm eficácia e segurança comprovadas, "os outros estão sob a alçada do Ministério da Agricultura e isso diz tudo", realça Paula Freitas, endocrinologista e ex-presidente da Associação Portuguesa para o Estudo da Obesidade.
Menos 10% a 20% do peso
Atualmente, há três medicamentos sujeitos a receita médica para a obesidade aprovados em Portugal, mas nenhum é comparticipado. O "Saxenda" (liraglutido) custa cerca de 244 euros e o "Mysimba" (bupropiona e naltrexona) perto de 115 euros. O "Xenical" (orlistato) já tem genérico, mas é uma solução mais antiga e menos eficaz, segundo os médicos. Os dois primeiros são "bastante potentes, por isso os doentes querem esta terapêutica", capaz de reduzir o peso corporal entre 10% e 20%, realça Davide Carvalho, diretor do Serviço de Endocrinologia do Hospital de S. João, Porto.
Ao JN, a farmacêutica Novo Nordisk, que comercializa o "Saxenda", referiu que o pedido de comparticipação do fármaco está "atualmente em avaliação". A criação de um subgrupo farmacoterapêutico e a definição do escalão de comparticipação associado está apontado, há vários anos, como um dos entraves do processo.
"Quando conseguimos a perda de peso, atrasamos o aparecimento da diabetes, dislipidemia, hipertensão", enumera Davide Carvalho.
A poupança sentir-se-ia também nas cirurgias de obesidade, para as quais muitos doentes acabam "empurrados" por falta de terapêuticas acessíveis. Com Sónia Miranda foi exatamente assim [ler na página ao lado].
Notas
Peso a mais custa 1,2 mil milhões
O custo direto do excesso de peso e obesidade foi estimado em cerca de 1,2 mil milhões de euros, aproximadamente 0,6% do PIB e 6% das despesas de saúde em Portugal, concluiu o estudo "O custo e carga do excesso de peso e da obesidade em Portugal", divulgado em novembro de 2021 e elaborado pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) e pela consultora Evigrade-IQVIA.
Cinco prioridades para a doença
O movimento "Recalibrar a balança", que junta associações científicas e de doentes, definiu cinco prioridades para a obesidade: comparticipação dos medicamentos, mais formação dos profissionais de saúde, consultas de obesidade nos cuidados primários, redefinição da abordagem no sistema de saúde (prevenção, acesso equitativo, funcionamento efetivo dos centros de tratamento) e eliminação do estigma e da discriminação.