Há os que vinculam longe de casa, os que optam por horários incompletos para ter família e os que desistem.
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Isabela Marques: "Faço 200 km todos os dias"
A vida da professora Isabela Marques é uma "correria". Entre a aldeia de Mourilhe, em Mangualde, onde mora com a mãe e três filhos de nove, 15 e 17 anos, e a EB 2,3 Professor Artur Nunes Vidal, em Fermentelos, Águeda - onde atualmente ensina Matemática e Ciências ao 2.º Ciclo - conta-se uma centena de quilómetros. É o caminho que, com 48 anos de vida e 24 de serviço, tem de percorrer diariamente para poder dar aulas, algo de que gosta "mesmo muito". Dos 1286 euros líquidos que ganha, metade vai para o combustível e portagens. E por contabilizar ficam ainda as despesas que decorrem do desgaste do carro. Como é o caso dos quatro pneus que vai ter de mudar este mês. Sendo divorciada, vale-lhe morar na casa da mãe para conseguir fazer face às despesas. "Faço 200 quilómetros todos os dias, mas gosto muito de aqui estar e é isso que me tem mantido nestas viagens loucas", explica. Geralmente levanta-se às 5.30 horas e há dias em que dorme apenas três horas para conseguir preparar aulas e fazer outras diligências necessárias. Isabela é docente há 24 anos, mas a primeira década foi passada numa instituição privada de Ensino Superior, onde dava formação a professores. Só depois mudou para o público. Nunca deixou de investir na própria formação e fez até um doutoramento, mas como na altura ainda era contratada, em "nada se reflete na progressão" na carreira, lamenta. Está "no primeiro ano do 3.º escalão", a dar aulas na 25.ª opção que preencheu quando concorreu - é o quinto ano consecutivo em Águeda - e o topo da carreira é "uma miragem". Nem os "excelentes e muito bons" que diz merecer nas avaliações lhe valem para progredir mais rapidamente, já que esbarra no sistema de quotas. Apesar deste somatório de dificuldades, que ultrapassa com "esforço", garante que não sente "desilusão" com a profissão e não pensa desistir. Mas admite, com voz embargada e disfarçando uma lágrima, que esperava já ter uma situação mais "estável", até para dar outro apoio aos filhos.
Vasco Silva: "Já devia estar no topo da carreira"
Professor de Português há quase 37 anos, Vasco Silva, natural de Braga, "já devia estar no topo da carreira", mas o congelamento no tempo de serviço fez com que, aos 60 anos, esteja no 9.º escalão e tenha de esperar mais quatro anos para avançar até ao último. O docente sabe que vai chegar lá, mas, lamenta, "do ponto de vista da reforma, já não vai ser significativo". "Estou no 9.º escalão desde dezembro, mas se não houvesse congelamento das carreiras já estaria há muito tempo no topo. Quando as carreiras foram suspensas, faltavam-me dois ou três meses de serviço para avançar, por isso, fica um sentimento de injustiça", recorda Vasco Silva, professor na Secundária Alberto Sampaio, em Braga, confessando-se "desiludido" com a profissão, embora mantenha "o gosto" em dar aulas.
As críticas vão todas para o Governo, que acusa de ser "ingrato" com a classe. "Independentemente da situação de cada um, toda a gente tem queixas do Ministério da Educação. Quando precisa das pessoas, utiliza-as, e, quando não precisa, descarta-as", desabafa, lamentando que o trabalho que é levado para casa não seja valorizado. "Os meus filhos poderão dizer que os fins de semana nunca foram grande coisa, porque, muitas vezes, trabalhamos para corrigir testes, trabalhos e fazer provas. Muitas vezes, não damos o apoio que a família precisa", atesta Vasco Silva, casado com uma professora, que está "presa" ao sexto escalão.
Apesar de tudo, admite que se sente "privilegiado", quando se compara a colegas mais jovens.
Pedro Ferreira: "As AEC já são um hóbi"
Pedro Ferreira, bracarense com 28 anos, licenciou-se em Ciências do Desporto e, em 2017, em vez de tentar o sonho de uma carreira em treino ou gestão desportiva, avançou com o mestrado na área de Ensino para ter acesso "a uma profissão". O que não imaginou foi que, cinco anos depois, as aulas que dá em Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), na freguesia de Real fossem "uma maneira de estar no ensino", sem estar muito longe de casa.
"Tenho colegas que estão contratados há 20 anos, colocados a 200 e 300 quilómetros de casa, em que têm duas rendas para pagar, duas despesas de luz e água, mais Internet e viagens. E ainda se privam de ver os filhos a crescer. Para estar longe de casa, deveríamos ter condições financeiras vantajosas", reclama o jovem docente. No seu caso, ainda concorreu três anos, mas nunca conseguiu colocação para as zonas de preferência. "Durante a pandemia, houve muitos professores a ficar de baixa, mas mesmo assim não consegui ficar colocado", lamenta Pedro Ferreira, admitindo que, no último ano, já não se candidatou e optou por vestir o fato de treino só para dar aulas nas AEC - seis horas por semana -, que concilia com a sua nova profissão de agente de seguros. "As AEC, posso dizer que já são um hóbi. A precariedade é grande e poucos são os professores que não estão a recibos verdes", critica o jovem, ressalvando que, ainda assim, continua atento a oportunidades no ensino, mesmo sabendo "que é difícil". "Temos uma educação abandonada", conclui.
Angélica Sousa: Precária, já esteve em 11 escolas
Licenciada em Biologia e Geologia, Angélica Sousa já passou por 11 escolas, desde 2008, a preencher horários incompletos. Natural de Vale de Cambra, deu aulas em várias zonas do país, mas nunca conseguiu efetivar. Em 2016, engravidou e decidiu privilegiar a família, pelo que continua numa situação precária. Este ano, está a fazer uma substituição nas Caldas da Rainha. "Como o meu marido também é professor e tinha mais facilidade de colocação, por ser de Matemática, deixei de concorrer a horários anuais", explica Angélica Sousa. "Não ia sacrificar a oportunidade de o nosso filho crescer com o pai e com a mãe, em prol de uma profissão em que já não é possível aproximar à residência", justifica. "Com a falta de professores, vão tentar prender-nos nos quadros das escolas onde há mais necessidades".
Ao fim de anos a darem aulas nas mesmas zonas do país, João entrou no Quadro de Zona Pedagógica de Lisboa e há dois anos efetivou numa escola de Rio Maior, a 24 quilómetros das Caldas da Rainha, onde compraram casa. "Em Lisboa, teríamos de fazer um grande esforço financeiro para arrendar ou comprar um apartamento e pagar uma creche".
Angélica diz que deixou de ser aliciante ser professor também pelo valor da remuneração e pelo "ambiente da sala de aula", pelo que esteve na manifestação em Lisboa. "É preciso gostar muito de ensinar para sentir uma compensação. Os alunos estão mais agitados e desrespeitadores e o trabalho não se esgota na escola".