António Costa partiu para a corrida eleitoral, há três meses, com uma confortável vantagem de 14 pontos nas sondagens. A uma semana das eleições, o cenário era muito diferente: Rui Rio tomava a dianteira, mesmo que por escassas seis décimas. Um empate técnico entre PSD e PS, mas também entre Direita e Esquerda (separadas por cinco décimas), que os portugueses vão desfazer no próximo domingo.
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A vantagem dos socialistas foi-se degradando, mas o processo teve altos e baixos, como mostram os resultados das quatro sondagens realizadas pela Aximage para o JN, DN e TSF ao longo dos últimos três meses. Poucos dias depois do chumbo do Orçamento do Estado (foi a 27 de outubro), Costa ainda tinha razões para sonhar com a "maioria estável, reforçada e duradoura" que reclamou a partir da bancada do Governo na Assembleia da República.
O PS arrancou então com 38,5% as intenções de voto, face aos agonizantes 24,4% de um PSD dilacerado por uma luta interna pela liderança. Nas semanas que se seguiram, Rui Rio foi-se sobrepondo a Paulo Rangel. E a 27 de novembro concretizou-se a vitória do "militante de base" sobre o "aparelho", na versão da história ditada pelo vencedor. O ambiente voltava a ser favorável aos sociais-democratas e degradava-se para os socialistas: a 3 de dezembro, demitia-se o ministro Eduardo Cabrita, incapaz de sobreviver à revelação de que o seu carro seguia a 163 km/hora no momento do acidente que matou um trabalhador na A6.
Primeiro empate em dezembro
Sem surpresa, a segunda sondagem da Aximage, cujo trabalho de campo decorreu entre 9 e 13 de dezembro, mostrou que o ambiente político é fluído e que estas poderiam ser umas eleições de resultado incerto. O PS continuava na frente (35,4%), mas a diferença para o PSD (33,2%) reduzia-se para dois pontos percentuais, ou seja, ficava dentro da "margem de erro". Era o primeiro empate técnico desde as legislativas de 2019
Os resultados expunham outras quatro tendências, que o carrossel dos inquéritos seguintes por vezes disfarçou, mas não anulou. Primeiro, a queda no apoio aos partidos da geringonça: em meados de dezembro, a Esquerda já só valia mais três pontos do que a soma da Direita (incluindo o Chega). Em segundo, que o centro político deverá sair fortalecido nestas eleições (quase sete em dez eleitores poderão escolher o PS e o PSD), mesmo que se solidifique a fragmentação do Parlamento.
Em terceiro lugar, começou a perceber-se que, sempre que os sociais-democratas sobem nas intenções de voto, Chega e a Iniciativa Liberal se esvaziam (e vice-versa). E, finalmente, que esta regra de vasos comunicantes não se aplica ao outro lado do espetro político: os socialistas sobem e descem independentemente do que vai sucedendo ao BE e à CDU.
Socialistas a recuperar primazia
Foi de novo um PS a recuperar e a afastar-se do PSD que a terceira sondagem, efetuada entre 6 e 12 de janeiro, detetou: uma vantagem de cerca de dez pontos percentuais, com António Costa a subir para os 38,1% e Rui Rio em queda para os 28,5%. Um resultado que talvez refletisse o agravamento da pandemia e a importância do papel do primeiro-ministro na gestão da crise e na tomada de decisões.
Um resultado também marcado pelos primeiros de uma série de três dezenas de debates televisivos. Um período em que Costa ensaiou um discurso mais agressivo para a sua Esquerda (que acusou de fazer parte de uma "coligação negativa com a Direita e a extrema-direita") e para a sua Direita (recusando a proposta do PSD de assegurarem mutuamente "governos provisórios de dois anos"), mas sem se atrever ainda a pedir uma maioria absoluta. Foi, finalmente, o período em que Rio se deixou enredar por André Ventura, líder do Chega, num pantanoso debate sobre as diferentes modalidades de pena perpétua.
Debate deu novo fôlego a Rio
Mas chegou então o debate decisivo (visto em direto por 3,2 milhões de pessoas, a 13 de janeiro), com a generalidade dos analistas a atribuir a vitória a Rui Rio. E em que António Costa cortou (parecia que definitivamente) as pontes à Esquerda e à Direita e admitiu, para surpresa geral, a hipótese de governar "à Guterres". Um termo tóxico na política portuguesa, uma vez que é sinónimo de "pântano", como foi repetido à exaustão nos dias seguintes.
Alguns dias depois, o secretário-geral dos socialistas, que ainda acreditava estar em dinâmica de vitória, pediu, pela primeira vez, com todas as letras, uma maioria absoluta. "Não devemos ter medo das palavras", argumentava Costa. Talvez embalada pelo apelo do líder, a antiga campeã olímpica Rosa Mota acabaria por marcar (e manchar) a campanha, ao apelidar Rui Rio de "nazizinho". Uma infeliz pedrada no charco, logo seguida de um balde de água fria.
A quarta e última sondagem da Aximage, cujo trabalho de campo decorreu entre 16 e 21 de janeiro, voltou a apontar, a uma semana das eleições, para um empate técnico. Com uma diferença substancial relativamente às projeções de meados de dezembro: pela primeira vez, na já longa série de barómetros da Aximage para o JN, era o PSD que estava em vantagem. E, também pela primeira vez, a soma da Esquerda (46,3%) era inferior à soma da Direita (46,8%).
Bloquistas e liberais em queda
Contabilizadas as diferenças entre o ponto de partida (na ressaca do chumbo ao Orçamento) e a entrada para a reta final de campanha (a uma semana das eleições), verifica-se que o PS perdeu cinco pontos percentuais, enquanto o PSD subiu dez. Há apenas mais dois partidos com oscilações significativas, ambas negativas: Bloco de Esquerda e Iniciativa Liberal perderam cerca de dois pontos em três meses de sondagens.
Resultados que, conjugados com as projeções de restantes empresas de sondagens, tiveram efeitos imediatos na postura e no discurso dos dois principais candidatos a primeiro-ministro: uma certa sobranceria de Rui Rio, assumindo a vitória como coisa certa e aconselhando o rival a "perder com dignidade"; um certo desespero de António Costa que, dando o dito por não dito, abandonou o discurso da maioria absoluta e passou a propor o "diálogo com todos" (com a exceção do Chega). Pode ter sido demasiado cedo para o primeiro, ou demasiado tarde para o segundo. Os portugueses dirão. Na única sondagem que conta, a de 30 de janeiro.