Regras da IA são aplicáveis a partir de fevereiro. Empresas "vão ter de estar" preparadas
As regras de práticas de inteligência artificial (IA) proibidas são aplicáveis a partir de fevereiro, no âmbito do regulamento europeu (AI Act), esclarece, em entrevista à Lusa, a jurista Sara Rocha, associada de TMC da CMS Portugal.
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O regulamento europeu, que foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia (UE) em 12 de julho, entra em vigor 20 dias após a publicação, sendo que tem de estar implementado até agosto de 2026.
A IA "é o tema da década e, como tal, carecia de regulamentação", e com a sua publicação aplica-se diretamente a todos os Estados-membros, afirma a associada de TMC - Tecnologia, Media e Comunicações da CMS Portugal.
"O que o regulamento prevê são períodos prolongados no tempo de entrada em vigor de algumas das suas medidas. Após a sua publicação, o regulamento entrará no seu período de transição, sendo a maior parte das suas regras aplicáveis no prazo de 24 meses contados a partir da data de entrada em vigor, com outros marcos temporais para a aplicação de certas matérias", aponta.
Destaca-se, em especial, "o caso das regras relativamente a práticas de inteligência artificial proibidas que serão aplicáveis no prazo de seis meses", ou seja, a partir de fevereiro, acrescenta.
"O motivo principal para a adoção destas fases de implementação é, tendo em conta a complexidade de algumas das medidas, dar tempo às empresas para se adaptarem", explica Sara Rocha.
O IA Act "tem por base um sistema que assenta no risco, prevendo desde logo algumas utilizações de IA que são considerados inaceitáveis e, portanto, proibidos, como a manipulação comportamental subliminar, exploração de indivíduos considerados vulneráveis, pontuação social pelo governo ou privados que leva a discriminação, e identificação biométrica remota em tempo real em espaços públicos por autoridades policiais, com certas exceções", exemplifica.
Questionada sobre as expectativas relativamente à sua implementação, a jurista salienta que o "seu principal objetivo é promover o desenvolvimento e a utilização da IA na UE, assim como garantir um nível elevado de proteção, ao mesmo tempo que tenta estimular a utilização da IA e o desenvolvimento do setor" e prevê também "obrigações concretas de forma a proteger os cidadãos".
Se houve uma altura em que "se debatia as vantagens/desvantagens da clonagem ou da utilização de tecnologia, o debate agora oscila entre as vantagens da utilização da IA - libertar-nos de algum trabalho, ajudar na resposta a algumas doenças, rapidez em muitas respostas, automatização de processos - e as desvantagens ou receios que surgem com a sua utilização - aumento das desigualdades sociais e das descriminações, serem sistemas incontroláveis ou tornarem impossível distinguir o homem da máquina".
Em resposta a isto, o legislador europeu aprovou um regulamento com "68 definições, 113 artigos, 13 anexos e 180 considerandos", tratando-se de "um diploma com uma estrutura bastante complexa e com uma leitura reservada apenas a um nicho que já está familiarizado com este tipo de linguagem, a compreensão da maioria destas regras não é simples e complexidade excessiva nem sempre é a melhor opção para a inovação - que é uma das principais bandeiras".
Neste contexto, diz a jurista que as expectativas serão que se consiga "continuar a desenvolver sistemas de IA úteis para a população, sem que se perca velocidade no seu desenvolvimento, mas que se garanta que estas ferramentas respeitam os cidadãos e o ordenamento jurídico em que se inserem, mas consciente dessas dificuldades".
Empresas portuguesas "vão ter de estar" preparadas
O responsável pela IA na Noesis considera, em declarações à Lusa, que as empresas vão ter de estar preparadas para aplicar o regulamento, sendo a sua principal preocupação a "falta de esclarecimento oficial" sobre o tema.
"Não há regulamentos ideais, nem menos ideais", começa por dizer o 'data analytics & AI manager' [dados analíticos & gestão IA] da Noesis, João Martins, para sublinhar que era necessário "existir regulação".
Agora, "sendo um tema ainda em constante evolução não sei se foi o momento certo com este tema da regulação", pois quem quer "arrancar com este tipo de iniciativas não está certo e seguro e sempre que entra um tema jurídico assiste-se a uma retração", refere.
Mas "quem vai ficar responsável por validar que os projetos" de IA estão em conformidade com o AI Act [regulamento IA), vai "ser dividido por indústria, haverá um regulador central", questiona.
"Isto em Portugal ainda não está claro", pelo que "a minha principal preocupação é a falta de esclarecimento oficial destes todos temas", insiste João Martins.
Para o responsável, a IA deixou de ser "uma componente, uma solução de nicho" e está a ser vista "como 'commodity'", sublinha.
A tecnologia, a parte jurídica e o Governo "é uma conjugação que necessita de ser afinada", defende o responsável de IA na Noesis.
"As empresas ainda estão numa fase de passagem da introdução dos protótipos que começaram a montar, ainda estamos numa fase, no meu entender, de começar a produtizar aquilo" que surgiu da IA generativa, refere, acrescentando que começa a verificar-se que as áreas jurídicas das empresas começam a "ter curiosidade" sobre o que está a ser feito sobre IA, qual o objetivo.
No passado este era um tema que era divido entre os utilizadores de negócios e a equipa de IT (tecnologias de informação).
"Quando entramos na área da IA generativa começamos a ver equipas de 'legal' [jurídico] das empresas a mostrarem interesse" no assunto.
As empresas, diz, "vão fazer o caminho de perceber quais os impactos" da regulação e o que está escrito nas mais de 140 páginas do IA Act. "Se estamos preparados em Portugal? Vamos ter de estar", reforça. Até porque "as organizações que não adotarem este tipo de iniciativa correm risco de ficar para trás" face à concorrência, que é global.
Depois há o risco de uma segregação geográfica.
"Ainda há pouco estava a tentar entrar na Meta AI e esta dizia que não estava disponível na minha geografia", relata João Martins, admitindo que pode começar a existir uma "segregação geográfica".
E a questão é: "Ou nós caminhamos à mesma velocidade, com o mesmo entendimento, ou vamos encontrar silos" Europa, EUA, Ásia, num jogo "que não regras iguais nas várias geografias".
Apesar das questões, o certo é que a IA generativa é incontornável e que as empresas europeias vão ter de adotar o IA Act.