Reintegração de doentes oncológicos: "Aqui trabalham tudo, o que faz toda a diferença"
Centro de Reabilitação Profissional de Gaia desenvolve projeto que ajuda na reintegração profissional de pessoas com doença oncológica.
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"Aqui, perdi o medo de falar sobre cancro". Serena, de voz doce mas firme, Fátima Sousa carrega nas sílabas do nome da doença que nunca quis ter. Como quem venceu o temor e renasceu. E, com pouco mais de 25 anos, a jovem cabeleireira de Oliveira de Azeméis enfrentou a condição com que teria de viver: a amputação do antebraço direito, ditada por um tumor raro e agressivo.
Está numa das aulas da formação de Assistente Administrativo, no CRPG-Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, que criou o programa "Reabilitação e reintegração profissional de pessoas com doença oncológica".
O galopar de um cancro - um angiossarcoma - diagnosticado aos 17 anos, a partir de "um papinho na mão" que nunca cedeu a "múltiplas cirurgias", deu-se na crise pandémica. "A forma de garantir que vivia" estava na amputação transumeral, que Fátima fez em junho de 2021, e foi só no CRPG, onde chegou em novembro desse ano, através do IPO e do Centro de Reabilitação do Norte, que conseguiu respirar e assimilar aquilo por que passara. "Sem o centro, acho que estaria em casa, a ver televisão e a sentir pena de mim, não teria competências para voltar ao trabalho. Aqui deram-me vida", diz a jovem, que foi sempre "muito ativa" e que em pouco tempo se viu confrontada com a limitação, uma "nova realidade" que a afetaria também a nível profissional.
"aconchego muito grande"
"O medo que surge é o de saber se vou ter competências para aquele tipo de trabalho; é o medo de ser substituída. No meu caso, que é amputação, surge esta insegurança, e no centro tenho todo o apoio. Até na prótese. Aqui trabalham tudo, o que faz toda a diferença".
Aos 27 anos, Fátima Sousa sabe que não vai voltar a ser cabeleireira ou esteticista, mas tem a certeza de que vai seguir em frente. Com experiência também como administrativa, o programa de reconversão profissional tem-lhe dado mais ferramentas na área. "Aqui tentaram sempre fazer tudo para que ficasse bem e regressasse ao trabalho melhor", agradece.
Com mais três décadas de vida, Fátima Silva conta há cinco anos com o acompanhamento do CRPG, desde que passou pela primeira mastectomia. Estava desempregada e desorientada, e foi ali que encontrou uma bússola. Com uma carreira de administrativa, fez "formações para aperfeiçoar conhecimentos", e através do centro estagiou na Câmara de Gaia. Entretanto, foi integrada numa empresa do concelho, onde se prepara para subir de posto. "Tinha muita força e determinação para seguir em frente, mas, se não fosse a ajuda do CRPG, não ia conseguir", reconhece Fátima Silva.
Ainda no início do processo, Ana Paula Ferreira, de 52 anos, também tem ali "um aconchego muito grande" para o desnorte da dor constante que a fibromialgia lhe traz, acrescida de um cancro da mama: "Estão a ajudar-me a ter mais confiança. E a nível de futuro, que não passará mais por uma fábrica, porque já não tenho condições para esse tipo de trabalho".
O diretor do CRPG, Jerónimo Sousa, alerta para a necessidade de "favorecer o retorno tão precoce quanto possível ao mundo do trabalho, o que contribui decisivamente para o processo terapêutico".
Detalhes
Há três anos
Lançado há cerca de três anos, o programa de reabilitação e reintegração profissional de pessoas com doença oncológica já apoiou cerca de 70 cidadãos, a maior parte do distrito do Porto e de distritos vizinhos.
Acompanhamento
Em cada caso, há um psicólogo que acompanha todo o processo. É feito um plano individual de reabilitação e reintegração.
Avaliação
Logo no começo, é feita uma avaliação de funcionalidade, necessidades e expectativas, sendo aferidos os potenciais de reabilitação. Se houver necessidade, é iniciado um processo de reconversão, em que o utente opta por uma área profissional diferente.