Famílias terão direito a fasear o pagamento em três anos, sempre que a prestação duplique. Câmaras poderão legalizar habitações municipais anteriores a 2000, só com uma assinatura.
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Os inquilinos de habitação social com rendas em atraso que, no âmbito de processos de regularização da dívida, vejam a mensalidade aumentar para mais do dobro passarão a ter três anos para pagá-la. A medida consta de um projeto de decreto-lei, que deverá ser aprovado hoje pelo Governo na reunião do Conselho de Ministros dedicada à habitação. O diploma consagra, também, a alteração ao Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, permitindo que os municípios legalizem, só com a declaração do presidente, os edifícios de habitação social anteriores a 1999.
Em Portugal, há mais de 120 mil fogos sociais, quase 110 mil são dos municípios e cerca de 13 mil estão sob gestão do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). Em 2018, o IHRU era credor de cerca de 18 milhões de euros de rendas em atraso (ler "Saber mais").
A atualização faseada em três anos das rendas de habitação social já ocorria sempre que a mensalidade subia para mais do dobro, por exemplo nos casos em que o rendimento do agregado familiar tenha aumentado muito, uma vez que o valor da renda é calculado em função dos rendimentos. No entanto, quando esse aumento resulta de processos de regularização de rendas em atraso, a lei não estabelece um limite nem a obrigação de fasear o pagamento. Agora, de acordo com o projeto de decreto-lei a que o JN teve acesso, o Governo impõe esse faseamento, que se aplicará a todo o parque habitacional social (com renda apoiada), incluindo o dos câmaras.
Assim, um inquilino que não pagou a renda social durante um determinado período de tempo e, no âmbito de processo de regularização de dívida, viu a prestação subir para mais do dobro, passa a ter um aumento mais suave da renda. No primeiro ano, a prestação sobe um terço do que deveria subir; no segundo ano, aumenta mais um terço; e, no terceiro ano, atinge o valor final do aumento.
Legalização facilitada
O projeto de decreto-lei do Governo também prevê que as câmaras possam regularizar a constituição de propriedade horizontal dos edifícios municipais destinados à habitação social, sempre que a construção seja anterior à entrada em vigor do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, de 16 de dezembro de 1999.
"A constituição de propriedade horizontal faz-se mediante declaração da entidade proprietária de que estão verificados os requisitos legais", lê-se no diploma. A assinatura de legalização do edifício é da responsabilidade do presidente da Câmara, que pode delegar nos vereadores ou nos dirigentes dos serviços municipais. Com esta alteração, o Governo pretende "garantir as condições para se alcançarem os objetivos traçados na implementação do Plano de Recuperação e Resiliência" (PRR), sendo estas respostas "urgentes e necessárias", considera o Executivo. O JN sabe que a Associação Nacional de Municípios já foi ouvida e emitiu parecer favorável no dia 7, ainda que com alguns alertas.
Até 2026
Manter a luz nos bairros mais pobres
A terceira alteração legal, prevista no projeto de decreto-lei do Governo, prende-se com o abastecimento provisório de energia em bairros precários. O decreto-lei de 2018 prevê esta possibilidade até maio deste ano, mas será prolongado até ao final de 2026, coincidindo com o fim do PRR. Os novos prédios sem energia identificados têm de passar a constar das estratégias locais de habitação das câmaras, sem que isso prejudique ou suspenda as estratégias que o Governo já aprovou anteriormente.
Saber mais
Grande Lisboa pior
Em 2018, o IHRU era credor de 18 milhões de euros de rendas em atraso. Entre as câmaras, a taxa de incumprimento era superior na Grande Lisboa (com sete autarquias acima dos 20%) do que na Área Metropolitana do Porto (a maioria abaixo dos 7%).
Guimarães
Os 238 moradores de três bairros de Guimarães têm, há oito anos, um processo em tribunal contra os aumentos de 2014. A dívida acumulada é superior a um milhão de euros.
Alertas da ANMP
Futuras transações
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) emitiu parecer favorável ao projeto de decreto-lei, mas avisa que "é importantíssimo" que o documento clarifique as consequências da legalização dos prédios de habitação social "nas futuras transações".
Sem ónus municipal
A ANMP defende, ainda, que o decreto-lei esclareça como serão tratadas eventuais desconformidades com o edificado e instrumentos de gestão urbanística existentes. "O Município, se expurgado deste controlo ou validação, não poderá ser responsabilizado pela violação de normas legais", dizem.