Autarca do Porto acusa representante dos municípios de não ouvir as câmaras e de ser conivente com o Governo na descentralização.
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O presidente da Câmara do Porto vai propor a saída da autarquia da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Rui Moreira acusa a organização, agora presidida por Luísa Salgueiro, de não ouvir os autarcas e de manter "uma postura de cumplicidade e total conivência com as medidas adotadas pela administração central" no âmbito do processo de descentralização, lê-se num documento a que o JN teve acesso.
Na origem da proposta está "o total fracasso da ANMP em desempenhar as funções que lhe estão estatutariamente atribuídas", escreve Rui Moreira. Após a cimeira sobre a descentralização, realizada em março de 2018 em Sintra, a proposta apresentada ao Governo pelas duas áreas metropolitanas (Lisboa e Porto) não teve efeitos, segundo o presidente da Câmara do Porto.
"Num ato de absoluto boicote (...), a ANMP fez acordos com o Governo sem ouvir os municípios e sem estar para tal mandatada, ignorando os seus interesses e preocupações legítimas", lê-se no documento que será levado a votos. A associação era, à data, presidida por Manuel Machado. Em julho de 2018, Moreira já tinha ameaçado sair da ANMP em carta enviada ao então autarca de Coimbra.
Providência sem efeitos
Mais recentemente, no final de março, a Câmara do Porto interpôs uma providência cautelar no Supremo Tribunal Administrativo para travar o processo de descentralização. Em causa estava a verba dedicada à Educação, fixada em 20 mil euros anuais por escola (2.oºe 3.oº ciclos e Secundário) para conservação e manutenção dos edifícios. O prazo para a transferência efetiva destas competências terminou a 1 de abril.
O valor, que poderá constituir "uma grave lesão dos legítimos interesses do Município do Porto e de todos os seus munícipes", lê-se na ação entregue em tribunal, resultou do diálogo entre a ANMP e o Governo. Logo, a associação absteve-se "de apontar as fragilidades e deficiências" do processo, quando o investimento para conservação por escola é superior a 67 mil euros, cálculos de Rui Moreira.
Fonte do gabinete do autarca adianta que a providência cautelar foi aceite pelo tribunal, mas não teve medidas de eficácia suspensiva. No final de março, também Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, assinou uma carta enviada a António Costa, em conjunto com o autarca do Porto, a pedir o adiamento da transferência de competências nas áreas da Educação e Saúde. Ambos defenderam que o modelo de descentralização tem "inúmeras dificuldades e inconsistências".
A proposta prevê que a Assembleia Municipal delibere a saída do Porto da ANMP, ficando "todas as negociações com a administração central" a cargo do Município. O movimento de Moreira tem maioria no executivo camarário, depois da saída de Catarina Santos Cunha do PS, agora vereadora independente. Na Assembleia Municipal, o acordo de governação com o PSD deverá garantir a aprovação desta proposta.
Processo pouco consensual junto dos autarcas
O atual modelo de descentralização não está a convencer muitos autarcas, que não têm efetivado a transferência de competências nas áreas da Saúde e Educação, cujo prazo terminou a 1 de abril. As razões prendem-se, como foi noticiado pelo JN no mês passado, com a insuficiência das verbas e a falta de autonomia para gerir os recursos humanos, como contratar médicos e enfermeiros ou gerir horários.
Os dados do Portal da Transparência do Governo mostram que apenas 125 de 278 municípios - ou seja, 45% - têm a posse de todas as escolas do Ensino Básico ao Secundário e 28% (57) têm os centros de saúde.
No entanto, os números não deverão estar atualizados já que a transferência na área da Educação foi automática no início deste mês. Já a assunção de competências por parte das câmaras municipais na Saúde depende da assinatura de um auto. Na altura, a ainda ministra da Modernização Administrativa Alexandra Leitão disse não considerar necessário um adiamento das datas.
"Não se faz sem problemas"
Os autarcas do Porto e de Lisboa mostraram vontade em adiar o processo de descentralização. O presidente da Câmara de Lisboa disse mesmo esperar pelo novo Governo para discutir exatamente os valores.
Na semana passada, Luísa Salgueiro, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), disse estar confiante em "soluções de consenso" com o Governo para a transferência de competências. "É uma reforma há muito desejada pelos municípios que agora avança, mas é óbvio que uma alteração como esta tem grande impacto na vida das autarquias, portanto, não se faz sem problema", disse à saída de uma reunião do Conselho Diretivo da ANMP.