Em oito anos, foram encerrados 879 lares, dos quais 874 eram ilegais. A revelação foi feita por Henrique Joaquim, vogal do conselho diretivo do Instituto da Segurança Social (ISS), durante uma audição sobre lares ilegais que decorreu esta quarta-feira na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, a pedido do PCP.
Corpo do artigo
Henrique Joaquim explicou que a equipa de fiscalização é constituída por 260 inspetores, 63 dos quais se dedicam a esta resposta. "Quando é necessário, é reforçada." Anunciou ainda que, desde o início do ano e até dia 23 deste mês, foram feitas 87 inspeções a lares.
"A fiscalização não avisa. Vai e age de acordo com a legislação em vigor", assegurou o vogal do conselho diretivo do ISS. "Se verificamos que há perigo de vida, é decretado o encerramento urgente e definitivo, que só termina quando há uma resposta alternativa e a última pessoa sai."
Catarina Marcelino, vice-presidente do ISS, denunciou que há lares que, após receberem ordem de encerramento, voltam a abrir "duas portas à frente". "Se não encerrarem, incorrem num crime de desobediência pública", acrescentou Henrique Joaquim. Nesse sentido, todos estes casos são participados ao Ministério Público.
Em contrapartida, Henrique Joaquim esclareceu que, quando a vida dos utentes não está em risco, é decretado o encerramento administrativo do lar, que confere 30 dias aos proprietários para fechar. Contudo, estes têm a possibilidade de contestar a decisão da Segurança Social.
15870532
A vice-presidente do ISS explicou ainda que, quando os lares são encerrados, a família dos utentes é contactada para saber se têm condições de os acolher em casa. Quando tal não é possível, a Segurança Social procura um lugar numa estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI), que tem vagas reservadas para esse fim. Quando não estão disponíveis, ficam num lar privado. "São colocados numa resposta adequada e numa perspetiva permanente."
Rede pública de lares
Manuel Loff, deputado do PCP, lembrou que a existência de lares ilegais não é um problema novo, mas começou a ter mais visibilidade no período da pandemia. Para evitar que esta solução seja encarada como uma alternativa para as famílias, defendeu a criação de uma rede pública de lares, como forma de combater as listas de espera e as mensalidades elevadas.
"Importa pôr fim às condições desumanas. É fundamental existirem meios materiais e humanos suficientes para as instituições cumprirem as suas obrigações", afirmou Manuel Loff. Quanto às IPSS, considerou necessário terem meios, darem formação e valorizarem os trabalhadores, com aumentos salariais, para poderem atrair pessoas qualificadas.
Favorável à autonomização dos idosos, com apoio domiciliário, o deputado comunista reconheceu, no entanto, que para um "grande número de pessoas é necessário recorrer à institucionalização". Perante a falta de respostas no setor público e os "valores imorais" cobrados pelos privados, propôs que sejam aproveitados os equipamentos sociais da Segurança Social ou os imóveis do Estado que não estão a ser utilizados para ampliar a rede pública de lares, já que só existem 80 mil vagas em ERPI. "Ser-se idoso em Portugal é entrar diretamente em risco de pobreza."
Em resposta ao deputado do PS Jorge Gabriel Martins, que não considerou correto associar os lares ilegais a falhas do Estado na proteção dos idosos, Isabel Pires, deputada do BE, sublinhou que estes casos surgem porque não existe resposta pública. Lembrou ainda que os valores praticados nos lares são demasiado elevados e as pensões são muito baixas.
"Temos um elevado grau de dependência e apenas 13% com acesso a cuidados formais. E a lista de espera é de 88% desde 2019", lembrou a deputada Isabel Pires. "O cenário é muito complicado. Estamos a empurrar para os cuidadores informais", alertou.
Clara Marques Mendes, deputada do PSD, recordou que pediram para fazer um levantamento dos lares em situação irregular, mas o Governo nunca manifestou essa preocupação. "Há falta de vagas para os idosos, o que vai gerar um aumento de preços e o recurso a lares ilegais", sublinhou. A deputada acusou ainda o PS de descurar o apoio domiciliário. "É importante que atrasemos a institucionalização."
"O que aconteceria se os cerca de mil lares ilegais existentes em 2020 fechassem? Para onde é que os idosos iriam?", questionou Jorge Galveias, deputado do Chega. Disse ainda que se a mensalidade média dos lares é de 1200 euros e o valor médio das reformas é de 480 euros, os idosos não podem suportar esse custo, mesmo com comparticipação do Estado. "O país onde vive o PS não é o mesmo país onde vivem os idosos."
Ansiedade nas famílias
Deputada da Iniciativa Liberal, Carla Castro defendeu "maior diversidade" de respostas sociais. "Todos os dias vemos situações degradantes que geram ansiedade nas famílias", lamentou. "Qual é a leitura que fazem do crescimento destas situações? Qual a periodicidade das visitas de acompanhamento? Após a realização de fiscalizações ou de ações de acompanhamento, como fazem o follow up? A instituição é efetivamente encerrada?" foram algumas das perguntas deixadas.
Durante a sua intervenção, o deputado socialista disse não ser possível ter um fiscal em cada lar. Aliás, considerou que o trabalho que tem sido feito é "absolutamente extraordinário". E deixou dois exemplos, referentes ao ano passado: os 674 lares fiscalizados correspondem a três inspeções por dia, e as 1453 visitas de técnicos da Segurança Social a seis ações por dia. "Estão atuantes e no terreno, sem prejuízo de poderem melhorar no futuro."
Catarina Marcelino confirmou que a pandemia ajudou o ISS a ter uma maior perceção sobre a existência de lares ilegais, sobretudo em Lisboa, no Porto e no litoral do país, e assegurou que tem sido feito um esforço para melhorar as metodologias de intervenção da Segurança Social. Anunciou ainda que foram realizadas 1453 ações de monitorização e de acompanhamento no ano passado e 179 nos dois primeiros meses deste ano.
"Estamos a repensar todo o modelo, para melhorar o acompanhamento", garantiu a vice-presidente do ISS. Além disso, anunciou que o Plano de Recuperação e Resiliência e o Pares - Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais vão permitir criar mais lugares. "Quanto mais respostas formais tivermos, menos o setor da ilegalidade tem espaço para crescer. Sabemos que as zonas do país onde detetamos mais lares ilegais são onde temos menos resposta formal."