S. João com mais urgências no verão. Consultas e internamentos no Magalhães Lemos também em alta.
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É consensual entre a comunidade médica que à crise socioeconómica trazida pela pandemia se seguirá uma outra, de saúde mental. Agora, com que força e quando chegará ninguém sabe. Para já, há serviços de psiquiatria, concretamente no Porto, a verem a procura aumentar nas urgências e nos internamentos. Numa área depauperada. Em pessoal e financiamento.
No Hospital de Magalhães Lemos (Porto), "observa-se um progressivo recurso quer à consulta quer para internamento", revela a diretora clínica. A taxa de ocupação está nos 106%, precisando Rosa Encarnação um acréscimo dos doentes residentes em 27% por "ausência de retaguarda" familiar ou social. "No último mês, estamos a sentir um aumento de vindas para internamento, começa a ser difícil", afirma.
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Uma pressão que não se sente ainda no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL), que até setembro viu os episódios de urgência caírem 13,8% e os internamentos dali provenientes baixarem 21,6%. Ao JN, Alice Nobre, adjunta da diretora clínica, explica que a repercussão do que estamos a viver "é muito progressiva". Lembrando que, na crise de 2008/13, "nos primeiros dois/três anos pouco se sentiu, começou depois". Admitindo "mais repercussões para janeiro".
No Hospital de Braga, em julho e agosto as idas às urgências "passaram para os níveis considerados normais", não se podendo "afirmar que a pandemia teve um impacto direto na procura", sublinham.
Aumentam os psicóticos
O confinamento e o medo retiraram os utentes das urgências, mudando o paradigma dos que, naqueles meses, pediram ajuda. Com maior incidência de casos de doença mental grave. Em abril, na urgência de psiquiatria do Hospital de S. João, a psicose foi o segundo diagnóstico mais frequente. Quando os três quadros habituais são, por ordem decrescente, perturbação da ansiedade, perturbação depressiva e psicose. Entre junho e agosto, atenderam mais 80 pessoas naquela urgência do que em 2019.
Cenário idêntico registou-se no CHPL, com um aumento de 1,8% dos diagnósticos de perturbações psicóticas aos utentes atendidos em contexto urgente. Ora, lembra o diretor da UAG de Psiquiatria e Saúde Mental do S. João, a psicose corresponde a uma "maior gravidade da doença mental". Altura em que, diz Rui Coelho, "podem fazer mal a si próprios e ao outro".
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Depois, frisa o psiquiatra, a "perturbação depressiva contribui para a ideação suicida, sendo que uma pessoa com ideação é um potencial suicida". Na urgência de psiquiatria do S. João, que responde à Área Metropolitana do Porto, registaram-se menos atendimentos por ideação suicida. Já os que entraram por abuso de substâncias, tal como em Lisboa, aumentaram.
Vendidas mais 287 mil embalagens de antidepressores
O consumo de antidepressores continua em alta, com mais 287 mil embalagens vendidas no primeiro semestre deste ano, para um total de 4,8 milhões, de acordo com o Infarmed. Um crescimento de 6%, não se sabendo se a este aumento corresponde um acréscimo de pessoas, sublinha ao JN o presidente do Conselho Nacional de Saúde Mental, António Leuschner. Em queda continuam os ansiolíticos (-3%).
Tempo para ouvir
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A deterioração das condições socioeconómicas na sequência da pandemia acarreta, por si só, "pior saúde mental", avisa o psiquiatra Rui Coelho. Pelo que se torna "muito importante ouvir". Mas "temos muito pouco tempo para ouvir. Exige formação. Ouvir incondicionalmente e pôr no lugar do outro". O problema, diz, é que faltam profissionais - leia-se psicólogos - nos cuidados de saúde primários.
Um quinto internado
Dos doentes que rumam à urgência psiquiátrica do S. João, 22,8% ficam internados naquela unidade ou noutras. "Ainda está ao nível do ano passado", revela o seu diretor.
Aguentar a maratona
A pressão começa a aumentar e ainda ninguém sabe o que aí vem. "Começam a entrar quadros de desgaste, dos que estiveram organizados durante este tempo. Porque nem toda a gente aguenta uma maratona", alerta Rosa Encarnação.
30 profissionais foram esta semana autorizados a ser contratados para integrarem as cinco equipas comunitárias de saúde mental para adultos. Falta autorizar as da infância. Deviam estar no terreno em julho.
10% foi o aumento das consultas subsequentes no Hospital de Magalhães Lemos, sendo que no período de confinameto "foram efetuadas telefonicamente e quando necessário presenciais".