Serviços não encontraram "nenhum tipo de influência" na atribuição de nacionalidade às gémeas
A ex-ministra da Justiça confirmou que a atribuição de nacionalidade das gémeas demorou 14 dias, mas recusou que tenha existido qualquer tipo de influência ou urgência em particular no processo. Ouvida esta terça-feira na comissão de inquérito ao caso, Catarina Sarmento e Castro considerou o prazo "razoável".
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Catarina Sarmento e Castro confirmou que a nacionalidade das duas gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal, tratadas no Hospital de Santa Maria, foi conseguida em 14 dias. A ex-ministra da Justiça (que não tutelava a pasta à data dos factos) esclareceu ter pedido informações aos serviços que mostram que os processos das bebés foram remetidos a 2 de setembro de 2019 ao Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) pelo Consulado Geral de Portugal, em São Paulo, no Brasil. Essa será então a data em que a Justiça portuguesa recebeu os documentos das crianças. A integração dos assentos de nascimento deu-se a 16 de setembro do mesmo ano.
Catarina Sarmento e Castro foi ouvida, esta terça-feira, na comissão de inquérito parlamentar ao caso das gémeas para esclarecer a rápida atribuição de nacionalidade às crianças. Durante a audição, a ex-governante reiterou, várias vezes, que este período temporal diz apenas respeito à fase em que o processo decorreu no âmbito da Justiça. Ou seja, exclui as etapas que decorreram antes naquele consulado, por seu turno, tutelado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, sublinhou a ex-ministra, em resposta ao deputado do PS André Rijo.
"Aquilo que na altura me explicaram os serviços, pela averiguação que fizeram dos casos à época, foi que esta média de 14 dias tinha sido uma média razoável", afirmou a ex-ministra da Justiça. Catarina Sarmento e Castro afirmou que os serviços não encontraram "nenhum tipo de influência" para que este processo tenha sido mais célere no IRN.
Segundo a ex-governante, na altura decorriam ainda outros três processos naquele consulado, também relativos a bebés que foram "ainda mais céleres". Um foi iniciado a 2 de setembro e os outros dois a 4 de setembro, todos concluídos a 9 de setembro, indicou. Catarina Sarmento e Castro explicou que, tratando-se de filhos de pais portugueses, os processos em causa são mais simples e rápidos. Mas também porque, devido à idade das crianças, há etapas que são dispensadas, como as verificações de segurança.
Na audição anterior, que decorreu a sexta-feira passada, Daniela Martins, mãe das crianças, negou que as filhas tivessem conseguido a nacionalidade portuguesa em 14 dias. Segundo a mãe, o processo foi iniciado em abril de 2019, ainda antes das menores serem diagnosticadas com a doença, a 9 de setembro do mesmo ano. A mãe, neta de avós portugueses, disse ter recebido a nacionalidade há mais de 15 anos.
Catarina Sarmento e Castro sublinhou ainda que a tutela - após o caso das gémeas ser público -, criou uma plataforma informática que impede manipulações, na qual passam todos os processos. A informatização - disponível desde dezembro de 2023 - permite atribuir um número de ordem aos processos e "deixou de haver interferências que fiquem registadas numa plataforma informática", disse a ex-ministra.
Quando a plataforma não existia, a prioridade era estabelecida pela própria natureza dos processos "A fila dos processos de bebés de pais portugueses andam mais depressa. Pelo que acabarão sempre por ter um desfecho mais célere", explicou.
"Obtiveram a nacionalidade em 14 dias, tal como as outras crianças"
Do Chega, o deputado André Ventura confrontou a ex-ministra com a informação daquela consulado português de que os processos podem demorar um ano, e pelo menos seis meses. "Obtiveram a nacionalidade em 14 dias, tal como outras crianças", respondeu a ex-ministra, acrescentando que os processos não começam apenas no dia em que o consulado envia a informação para o IRN. De acordo com a informação que lhe fou transmitida, os casos desta natureza, naquele consulado, "não ultrapassam um mês", e no caso de outros consulados portugueses espalhados pelo mundo disse não ter essa informação.
Catarina Sarmento e Castro disse também não ter conhecimento de que representantes daquele consulado se deslocaram até ao Hospital de Santa Maria quando as gémeas estavam internadas para emissão dos cartões de cidadão. Sobre essa questão, lembrou que, já na altura, a lei permitia que os documentos e o registo de nascimento sejam feitos na maternidade
À deputada da Iniciativa Liberal (IL) Joana Cordeiro insistiu que é natural que casos que envolvam crianças sejam mais célebres uma vez que "não podem ficar sem nacionalidade". Também à deputada Ana Santos, do PSD, respondeu que as gémeas tinham direito à nacionalidade, tendo passado pelo "mesmo quadro temporal de outros bebés e menores" que tinham processos naquele consulado na mesma altura.
Respondendo a Paulo Muacho, deputado do Livre, a ex-governante assinalou que, atendendo que a operação não é complexo e nesta fase o processo vem "todo instruído", o Ministério da Justiça "devereria demorar menos ainda".
No fundo, "é uma mera verificação por parte do funcionário dos registos, que pode e devia ser muito mais célere do que esses 14 dias, havendo pessoas suficientes", explicou, em resposta a Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda. Ao IRN, coube apenas a inscrição no registo para finalizar o processo.
Por várias vezes reiterou que, de acordo com o IRN, não há indícios de ter havido nenhuma celeridade ou urgência em particular. Quando o caso veio a público já tutelava a pasta, determinou que a Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça (IGSJ incluísse nas suas auditorias estes procedimentos, revelou. A ex-governante negou ainda ter sido alguma vez abordada para desbloquear processos de atribuição de nacionalidade.
Mais à frente, respondendo a Inês de Sousa Real, deputada única do PAN, Catarina Sarmento e Castro acrescentou que, segundo a informação que lhe foi passada pelo IRN, aquele período "estaria dentro da média da altura, naquele consulado".
Direita quer ouvir Augusto Santos Silva e Francisca Van Dunem
No começo da audição, Catarina Sarmento e Castro afastou quaisquer responsabilidades no caso, lembrando que foi ministra da Justiça durante o XXIII governo e os factos decorreram dois anos e meio antes de tomar posse, em março de 2022. Confessou, até, estar "embaraçada" por ter de explicar aos deputados presentes na CPI "aquilo que fazem os serviços hoje", quando já não tutela a pasta. Acrescentando que já teve oportunidade de o fazer no passado, equanto ministra, quando esteve presente na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em novembro passado.
A ex-ministra terminou de forma semelhante, considerando que deve ser a presidente do IRN a prestar mais esclarecimentos, bem como os atuais secretários de estado, a quem estão delegadas estas matérias, para esclarecerem dúvidas sobre o estado atual dos procedimentos.
Mas a direita empurrou o prestar contas para os antigos governantes. No final da audição, o grupo parlamentar da IL anunciou um requerimento oral para que Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros à data dos factos, seja presente à CPI. Já o grupo parlamentar do Chega quer chamar Francisca Van Dunem, na altura ministra da Justiça. Os requerimentos serão votados no início da audição marcada para a próxima sexta-feira, na qual será a vez de Wilson Bicalho, advogado dos pais das gémeas, ser ouvido.
Na reunião desta terça-feira foram aprovados, por unanimidade, o requerimento do PSD para clarificar o conceito de segredo de justiça - após o filho do presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, ter dito que não falava na CPI -, e o requerimento da IL para a audição do empresário José Magro.