Há casos em que o acréscimo dá cerca de cinco euros por dia. Sindicatos falam em discriminação, propaganda e pedem transparência.
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O subsídio extraordinário de risco para os profissionais de saúde envolvidos no combate à covid-19 já começou a ser pago em alguns hospitais e a insatisfação está a crescer. Ou porque ficaram de fora ou porque receberam valores "irrisórios", na ordem dos cinco euros por dia de trabalho com doentes covid-19. A portaria que regulamenta a atribuição do subsídio bimensal levanta dúvidas e ninguém sabe com o que contar. Tal como aconteceu com o prémio covid, pago em 2020, os sindicatos acusam o Governo de propaganda, discriminação e exigem transparência.
O primeiro pagamento, relativo a janeiro e fevereiro, ocorreu no final de março em algumas instituições. A maioria dos hospitais ainda está a identificar o pessoal que reúne os requisitos para o subsídio e os pagamentos devem ser processados, com retroativos a janeiro, no final do mês.
No caso dos profissionais de saúde, o subsídio corresponde a 20% da remuneração base, calculado proporcionalmente aos dias trabalhados, com um teto máximo de 219 euros (50% do IAS). O que significa que um assistente operacional na primeira posição remuneratória recebe 6,30 euros brutos a mais por dia de trabalho em áreas covid. Com descontos, ficam em menos de 5 euros.
Os enfermeiros recebem pouco mais. "Um colega da Guarda recebeu 7,20 euros por um dia com doentes covid", relata Nuno Couceiro, coordenador do Centro do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor).
O presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) reconhece que, na prática, haverá valores "irrisórios" e está preocupado com "a propaganda" de que todos os médicos estão a ser compensados pelo esforço. O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) fala em "esmola" para os profissionais de saúde. Tanto a FNAM como o SIM exigem saber quem vai receber o subsídio.
Por ora, ainda não há "informação consolidada sobre o número de profissionais abrangidos e o valor do abono pago", respondeu ao JN a Administração Central do Sistema de Saúde.
Portaria aperta mais que a lei
A portaria 69/2021 obriga a que se acumulem vários requisitos, o que excluirá a maioria dos profissionais. "O critério é discriminatório e o crivo muito apertado", realça Noel Carrilho, presidente da FNAM. O Governo foi longe de mais e decidiu regulamentar por portaria um ponto´ que, segundo a Lei do Orçamento do Estado 2021, não exige regulamentação, acrescenta a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE). "Poderia clarificar, mas não ser mais restritivo do que aquilo que os deputados aprovaram", defende a presidente Lúcia Leite.
Para terem direito ao subsídio, os profissionais têm de praticar cumulativamente atos direta e maioritariamente relacionados com suspeitos e infetados, fazê-lo de forma permanente e relevante em áreas dedicadas à covid ou unidades de saúde pública. O que significa que ficam excluídos todos os outros, quando "até se corre mais riscos nas áreas não-covid porque não estamos tão protegidos", nota Nuno Couceiro. "O Governo reconhece o esforço dos profissionais de saúde pública, que estão em teletrabalho, mas não reconhece o risco de todos os que estão a ver doentes, é completamente injusto", diz Lúcia Leite.
A portaria também prevê o pagamento de 10% da remuneração base para os trabalhadores dos serviços essenciais (onde se enquadram também os profissionais de saúde) e há quem entenda que aquele subsídio será para os que prestam cuidados covid, mas não preenchem os requisitos para os 20 %. Face às dúvidas que subsistem, temem-se "interpretações criativas" dos hospitais.
Prémio polémico
Muitas reclamações
Aprovado em julho, o polémico prémio covid-19 foi pago em dezembro. Ao JN, o Ministério da Saúde disse que abrangeu 28 mil profissionais, num encargo de 21,3 milhões de euros. Os sindicatos desconfiam e pedem listagem.
Auxilares sem prémio
No Hospital de Gaia, cerca de 15 assistentes operacionais do serviço de Radiologia não receberam o prémio, apesar de terem contacto direto com doentes. Ao JN, o hospital disse estar a preparar informação para solicitar à tutela autorização para o processamento do prémio.
Erro obriga a devolver
No Hospital de Santo António, no Porto, alguns profissionais tiveram de devolver os prémios, que tinham sido mal atribuídos.