Funcionário e patrão de fábrica de calçado de Lousada ficaram infetados após feira em Itália. Marcas desse tempo permanecem.
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Em 21 de fevereiro de 2020, Casimiro Sousa regressava a Nogueira, em Lousada, após ter estado dois dias numa feira de calçado, em Milão, Itália. Voltava, aparentemente, sem problemas de saúde, porém, uma irritação na garganta e dores no corpo levaram-no, dias depois, ao médico. No início de março, Casimiro tornou-se um dos primeiros doentes com covid-19 em Portugal. Após uma semana no Hospital São João, no Porto, dois testes negativos também fizeram do homem com 50 anos o primeiro português a recuperar da doença.
Primeiramente identificado em Lousada, o coronavírus precisou de 15 dias para ser sinalizado em, pelo menos, uma pessoa de todas as regiões do país e, em 17 de março, contavam-se 642 casos positivos. Um dia antes, a 16, uma ministra da Saúde pesarosa lamentava a primeira morte por covid-19. Mário Veríssimo, ex-massagista do Estrela da Amadora, aos 80 anos, sucumbiu na cama do Hospital Santa Maria, em Lisboa. Hoje, a lista de vítimas mortais preenche-se com 15 897 nomes, inscritos em três vagas pandémicas, que obrigaram a que, em 11 ocasiões, fosse decretado o estado de emergência. O último vigora até março e, tal como os outros, impõe o confinamento a milhões de pessoas. Nem as 618 636 doses de vacinas administradas, nem os quase oito milhões de testes realizados permitem, para já, que as lojas reabram ou que se corte o cabelo nas barbearias.
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Um medo que persiste
O tempo, indiferente aos números trágicos da pandemia, foi passando, mas o funcionário da Fego Fla, em Santo Estêvão, igualmente em Lousada, ainda guarda as marcas de quando foi diagnosticado com covid-19. Tantas que, ao JN, Casimiro Sousa recusa recordar como foram aqueles dias de incerteza e receio.
Alega que foi injustiçado, acusado sem razão e faz do silêncio a sua arma de defesa. Há um ano, lamentava: "Alguns pensam que eu não tive cuidado e fui o causador disto tudo. Não me sinto culpado de nada". Explicava então que já se ouvia "falar do problema na China", mas que ele e os colegas voltaram de Itália tranquilos. "Nós e as dezenas de portugueses que estavam na feira", frisava.
Tal como Casimiro, também o patrão chegou a Portugal infetado e, em poucos dias, a fábrica de calçado com 60 trabalhadores tornou-se o epicentro do primeiro surto de covid-19 no país. O empresário nunca falou do tempo em que suspendeu a produção durante duas semanas. E mesmo agora, quando o número de infetados já ultrapassou os 796 mil - 83 526 ativos - remeteu-se ao silêncio.
"Nunca tinha visto nada igual, havia muito medo de sair de casa", lembra Lídia Ferreira. Vizinha da fábrica, Lídia continua com "medo de ir às compras", mas defende trabalhadores e proprietários da Fego Fla. "Disseram que foram eles que trouxeram a doença, mas não tiveram culpa. Tanto é, que logo a seguir apareceram mais casos", justifica.
Em Nogueira, terra natal de Casimiro Sousa, o receio foi semelhante. "Quando soubemos que havia um caso na freguesia ficámos admirados e com pena da família, coitada. Também é verdade que tememos o que podia acontecer e passámos a ter muitos cuidados", admite Conceição Dias, que sai de casa apenas "para ir ao cemitério".