Autarcas queixam-se de lei demasiado apertada que leva ao abandono de culturas e êxodo de populações. Ministério diz preparar legislação.
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Para a esmagadora maioria dos autarcas cujos municípios abrangem áreas protegidas e das populações que lá vivem (existem 13 parques e nove reservas naturais, quatro paisagens protegidas e um parque nacional em Portugal), o convívio com as regras é limitativo, improdutivo, leva à desertificação e ao abandono de culturas. E do abandono aos incêndios vai um pequeno passo: da falta de limpeza das florestas à acumulação de biomassa. Ou então, refere o professor do Departamento de Geografia da Universidade do Minho, Bento Gonçalves, "quando as pessoas se sentem desconfortáveis ou injustiçadas usam o fogo como arma de contestação".
A criação dos parques naturais surgiu há mais de 40 anos, com o intuito de preservar o património natural e cultural de certas regiões, conciliando homem e natureza. Mas essa convivência tem sido tudo menos fácil, devido a uma legislação restritiva, que, explica Humberto Cerqueira, presidente da Câmara de Mondim de Basto, é "demasiado severa". Tem havido revisão da matéria, a última há dez anos, mas o autarca exige um plano de ordenamento "atualizado e menos exigente".
Há espécies vegetais que, sendo protegidas, não podem ser destruídas, impossibilitando muitas culturas rentáveis e até construções. As próprias casas obrigam a determinados materiais, normalmente mais caros, as regras de pastoreio, atividades desportivas, recreativas e de turismo de natureza são restritas, abrir acessos e estradas tem regulamentação tão apertada que até as autarquias são multadas e o aproveitamento de energias renováveis nem sempre é opção. E quando se pretende reverter qualquer uma destas situações, a burocracia é muito lenta.
"Infelizmente, a incompatibilidade do parque natural com as pessoas tem levado ao êxodo. Sendo um ganho ambiental, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) devia agilizar e flexibilizar condições", afirma Rui Santos, edil de Vila Real, para quem a resolução do problema passaria "pela descentralização".
Para o Ministério do Ambiente, a perda de população nas áreas protegidas "não diverge substantivamente daquela que se verifica nos territórios que lhes são envolventes. A perda demográfica é um fenómeno generalizado em todo o país". E adianta que a preservação das áreas protegidas que justificaram a sua classificação "pressupõe a manutenção da população" e, por isso, "está a ser pensado um novo modelo de gestão que assegure maior proximidade".
"É necessário empreendedorismo na instalação de apoio ao mundo rural e agropecuário, mas as dificuldades impostas afastam os jovens, tiram dinamismo ao território, empobrecem-no", diz Humberto Cerqueira. Com a partida dos jovens, explica Maria do Céu Quinta, autarca de Freixo de Espada à Cinta, "as pessoas abandonam as terras".
E mesmo que não partam, afirma, leva sempre ao abandono porque "há falta de bom senso. Há pessoas que querem plantar amendoais, olivais ou vinhas e, porque há uma árvore que é protegida do parque no meio do terreno, não a podem cortar. E inviabiliza todo um projeto", conta a autarca, que aponta dois caminhos: "Ou as pessoas cortam a árvore e são multadas ou preferem deixar os terrenos sem cultivo, à mercê dos incêndios".
Grande preocupação
Os incêndios são uma das grandes preocupações dos autarcas dos 14 parques. "Se não dermos condições para que as pessoas se fixem e limpem, a vegetação cresce e chegam os incêndios, como em 2016, que causaram grande destruição na Peneda-Gerês porque a biomassa era enorme", sublinha o presidente da Câmara de Melgaço, Manoel Batista. Adelino Soares, presidente da Câmara de Odemira, é perentório: "Há cada vez mais incêndios em terrenos abandonados".