Autoridade de saúde pediu pareceres à comunidade pediátrica. Em causa vacina da Pfizer. Assunto divide especialistas e levanta questões éticas.
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A Direção-Geral da Saúde (DGS) está a analisar a administração da vacina contra a covid-19 a crianças dos 12 aos 15 anos. Para o efeito, sabe o JN, pediu diversos pareceres à comunidade pediátrica, nomeadamente ao Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos e à Sociedade Portuguesa de Pediatria. Tema divide a classe médica e levanta delicadas questões éticas.
A DGS confirma ao JN que o assunto "encontra-se em análise" na sequência da autorização pela Agência Europeia do Medicamento para utilização da vacina da Pfizer em crianças dos 12 aos 15 anos. Em Portugal, a Cominarty é administrada a jovens a partir dos 16 anos com determinadas patologias ou institucionalizados, tendo sido imunizados 2676 com uma dose e 1069 com vacinação completa.
Um tema premente tendo em conta que a variante Delta obriga a rever a imunidade de grupo para cima dos 85% de população vacinada. Sabendo-se que, em Portugal, 16,6% dos residentes têm 17 anos ou menos, para atingir aquela meta teríamos de começar a vacinar crianças. Mas, para tal, é preciso a sociedade decidir se quer imunizar os menores ou deixar o vírus circular.
Imunidade de grupo
Favorável, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes entende que "devemos ambicionar interromper a circulação do vírus obtendo a imunidade de grupo". Desde que, vinca, tenhamos uma "vacina aprovada, eficaz e segura".
Membro da Comissão Técnica de Vacinação mas falando a título pessoal, alerta para questões do foro ético. Porque uma coisa é vacinar uma criança contra uma doença grave, como o sarampo. "Com a covid é diferente, protegemos contra doença grave ou protegemos a sociedade como um todo?". Entrando no campo "da ética e bioética, que extravasam a ciência e a imunologia".
Vacinação equitativa
Entendimento diferente tem a coordenadora da Unidade de Infecciologia do Hospital Dona Estefânia, recordando princípios -base da vacinação: diminuir a mortalidade e os internamentos. "É um objetivo primário, não podemos desviar disso. Um objetivo adicional pode ser diminuir a transmissão, mas tem que se reduzir a nível mundial".
Isto porque, vinca Maria João Brito, em linha com a OMS, só a vacinação "equitativa" pode travar "o aparecimento de transmissão incontrolável em determinado país", como aconteceu na Índia. Ou seja, "não basta um país muito rico vacinar toda a sua população, que não está a salvo; porque noutros países o vírus pode vir a ter uma nova mutação e pode voltar tudo ao princípio". Só cumprindo estas premissas se poderá ponderar a vacinação dos jovens. "Nesta altura, não é um objetivo prioritário".
Reservatórios do vírus
Já Ana Reis e Melo, da Infecciologia Pediátrica do São João, aponta três razões para vacinar as crianças. "Apesar da maior parte dos casos ser de doença ligeira, há casos raros que são graves, com a Síndrome Inflamatória Multissistémica em crianças com uma mortalidade de 1%". Trata-se de "prevenir 1% de mortalidade que não pode ser desprezível".
Depois, a Delta mudou a equação da imunidade e "precisamos de aumentar a percentagem de indivíduos vacinados; para isso, as crianças têm que estar nesta campanha de vacinação". Por último, diz que "se deixarmos as crianças de fora vamos permitir que sejam reservatórios do vírus". Com um ponto assente: "A segurança da vacina tem que ser soberana".
À lupa
Lá fora
O Canadá foi o primeiro país a autorizar a vacina da Pfizer para maiores de 12 anos. Seguiram-se os EUA, para uso de emergência. Na Europa, foi já validada pelo Reino Unido, França, Alemanha e Espanha.
Parecer alemão
O Comité Permanente de Vacinação da Alemanha recomendou a administração da vacina contra a covid apenas em crianças entre os 12 e 17 anos com doenças pré-existentes, não a generalizando.