O relatório da Direção-Geral da Saúde sobre as mortes maternas ocorridas nos anos 2017 e 2018 e concluído em janeiro de 2020 alertou para a necessidade de reforçar os serviços de Obstetrícia com profissionais de saúde e equipamentos. O documento, que só chegou ontem aos deputados da Assembleia da República, deixa várias recomendações - como a criação de tempos de resposta para a obstetrícia - que ficaram na gaveta. A DGS diz que estão a ser desenvolvidas
Corpo do artigo
Entre agosto e dezembro de 2019, a Direção-Geral da Saúde andou pelos hospitais a investigar as causas que estavam na origem de 26 mortes maternas em 2017 e 2018. E encontrou alguns padrões importantes, como o facto de a maioria (54%) dos óbitos terem ocorrido em mulheres com menos de 35 anos, sendo que nas mais jovens estão associados a doenças graves. Constatou também que 23% das mortes maternas foram em mulheres oriundas de países Palop.
O documento, que contou com a colaboração de um grupo técnico, no qual participaram Diogo Ayres de Campos, que esta agora a liderar a comissão de acompanhamento da resposta das urgências de Obstetrícia e João Bernardes, presidente do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos, faz um conjunto de recomendações para melhorar os cuidados obstétricos no Serviço Nacional de Saúde. E nas considerações finais, deixa o aviso: "Existe necessidade de reforçar a dotação de recursos humanos e de equipamentos nos serviços de obstetrícia, pois a maior carga de doença na população de grávidas exige mais consultas, mais exames, mais articulação interdisciplinar".
O alerta mostra que dois anos e meio antes da crise das urgências de obstetrícia - que culminou com a demissão da ministra da Saúde no início desta semana - a DGS estava ao corrente das dificuldades naquela especialidade. Desde então, e com uma pandemia pelo meio, pouco ou nada foi feito para implementar as recomendações efetuadas, apurou o JN.
Entre elas, está a definição de tempos de resposta para obstetrícia e a revisão de indicadores de contratualização, ou seja, uma lista de objetivos que os centros de saúde têm de cumprir. A prestação de cuidados pré-concecionais, com consulta obrigatória se houver patologia prévia e o reforço das intervenções para seguimento da gravidez são outras recomendações do relatório.
Inversão da tendência
Horas depois de receber o documento, o Bloco de Esquerda questionou o Governo sobre a implementação das medidas sugeridas e a DGS esclareceu, em comunicado, que já foi determinada a realização de um estudo quinquenal, que está em curso, com informação sobre 2017-2021, pela Comissão de Acompanhamento das Mortes Maternas. E que será feito um relatório anual sobre o tema e outro mais detalhado a cada cinco anos. As restantes recomendações, refere a DGS, "encontram-se a ser desenvolvidas".
Os óbitos de 2017 e 2018 foram o primeiro alerta para uma inversão da tendência da mortalidade materna, que foi confirmada pelas 17mortes de 2020, que também estão em estudo.
Mais óbitos em Lisboa
Dos 26 óbitos maternos de 2017 e 2018, 14 foram na Área Metropolitana de Lisboa e sete no Norte. O Centro e as ilhas tiveram duas mortes e o Algarve uma.
Três mortes em casa
A maioria dos óbitos (18) ocorreu em unidades do SNS e dois foram na Madeira. Outros seis aconteceram fora do SNS, dos quais três no domicílio, dois na via pública, um numa instituição privada e um não detalhado.
Causas diretas
As causas diretas motivaram 12 óbitos maternos, sendo a hemorragia/coagulopatia e a doença hipertensiva da gravidez as mais prevalentes.
Morte de grávida
Uma grávida de 31 anos morreu no sábado passado, após ter sofrido uma paragem cardiorrespiratória durante uma transferência entre os hospitais de Santa Maria e S. Francisco Xavier, por falta de vagas em neonatologia.