Indústria prepara novos formatos tecnológicos e indetetáveis pelos pais para seduzir os jovens. Médicos confirmam transferência para novos produtos, na "ilusão" de que têm menos danos.
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Menos cigarros, charutos, tabaco de enrolar e outros tabacos de fumar, incluindo para cachimbo de água, foram vendidos no ano passado. Só se fumaram mais cigarrilhas e duplicaram as vendas de líquidos com nicotina para cigarros eletrónicos, cuja receita fiscal passou de 682 mil euros em 2017 para quase 1,4 milhões em 2018. A receita fiscal com o imposto sobre o tabaco desceu mais (-5,29%) do que os produtos introduzidos no consumo (-2,96%), fruto da alteração de hábitos para produtos menos taxados e a circulação durante o primeiro trimestre de tabacos com estampilha do ano anterior.
"Em 2018, houve tabaco com imposto pago no ano anterior a circular até final de março, pode ter afetado os valores do ano", explica Afonso Arnaldo, fiscalista da consultora Deloitte. "Além disso, o ad valorem, sendo um elemento variável do imposto em função do preço médio de venda, pode ter descido por as pessoas terem mudado para marcas mais baratas, resultando em menor receita fiscal", acrescentou.
Mudança no consumo
Há anos que o Estado e os fumadores jogam o "jogo do gato e do rato": quando aumenta o imposto sobre os cigarros, os fumadores mudam para tabaco de enrolar; quando sobe o imposto sobre este, os fumadores fogem para outro mais barato.
"O tabaco de enrolar foi o mais penalizado pelo aumento do imposto e muitos fumadores mudaram, agora, para as cigarrilhas", explicou Helena Baptista, presidente da Federação Portuguesa de Grossistas de Tabaco. "Também aumentou o consumo de produtos alternativos, como o tabaco de aquecer, que já tem uma quota próxima de 5%", acrescentou, e que anteontem mereceu um alerta de risco grave para a saúde por parte de 12 sociedades científicas.
Juul, a nova "epidemia"
António Araújo, pneumologista e fundador da Associação Portuguesa de Luta contra o Cancro do Pulmão, admite que está a haver "uma transferência dos fumadores para cigarros eletrónicos e para o tabaco aquecido, alguns na ilusão de que provocam menos danos, o que é algo que ainda não podemos dizer. Que provocam danos, certamente que provocam", explicou.
Lembra, aliás, que foi com esse marketing de "risco reduzido" que, nos EUA, se iniciou uma "epidemia" entre as crianças. "O JUUL é do tamanho de uma pendrive, pode esconder-se na palma da mão e fumar-se em casa ou na sala de aula sem ser percebido. 70% dos fumadores em idade escolar nos EUA já experimentou e, agora, a empresa prepara-se para entrar na Europa", lamentou o especialista, que pede políticas a sério para dissuadir os mais jovens. "Mais do que a prevenção, só o aumento do preço do tabaco pode dissuadir a adição de novos consumidores", rematou.
Os números das vendas de medicamentos para deixar de fumar e de consultas de cessação tabágica mantiveram evolução positiva no ano passado, mas os especialistas temem que os novos produtos que permitem consumir nicotina sem parecerem tabaco possam criar novos dependentes e em idades mais jovens.
Outra novidade em breve é a entrada em vigor da diretiva europeia de luta contra o contrabando e a contrafação (ver ao lado). "Não sabemos quem vai pagar o software ou as máquinas de leitura dos códigos, o que é certo é que os fabricantes baixaram as margens aos grossistas para pagarem esse custo que deviam cobrir", denunciou.
João Pedro Lopes, da Imperal Tobbaco (detém marcas como a JPS), garantiu que "os fabricantes estão a calcular margens, mas não tem a ver com o sistema de rastreabilidade". Quem vai gerir os pagamentos é a SGS, multinacional Suíça especializada em certificações.
Novos elementos de segurança a partir de maio
Selo e códigos patenteados
A partir de 20 de maio, todos os produtos de tabaco vendidos na União Europeia vão incluir um sistema de segurança para limitar a contrafação. O atual selo português já contém tintas e hologramas deste género, mas também já existe um código patenteado por Portugal, o UniQode. Além disso, a Imprensa Nacional Casa da Moeda distribuirá códigos únicos a fabricantes e distribuidores nacionais, mas as mudanças não serão visíveis a olho nu.
App para identificar origem
O UniQode português pode ser lido através de uma app em qualquer smartphone e será usado noutros produtos além do tabaco que são alvo de contrafação (agroalimentares, vinho, merchandising desportivo). No caso dos códigos de rastreabilidade do tabaco serão necessários equipamentos e software próprio desde o fabricante até ao retalhista - será esse percurso que as autoridades podem fiscalizar para identificar contrabando ou contrafação.
Empresa suíça gere sistema europeu
Serão os fabricantes de tabaco a pagar o sistema de rastreabilidade do tabaco, mas será uma multinacional de origem suíça - a SGS - a gerir o pagamento dos equipamentos e sistemas de leitura aos transportadores, armazenistas e retalhistas. Segundo fonte da Comissão Europeia, foram os fabricantes de tabaco que escolheram a entidade responsável pela gestão dos pagamentos, que não terá envolvimento nos códigos ou equipamentos a fornecer no sistema.