Grávida escolhe onde ter o filho, mas Sociedade de Obstetrícia e Ordem dos Médicos recomendam hospital.
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Em ano de pandemia, os partos sem assistência médica bateram o recorde da década: a cada dez dias, nasceu uma criança sem o apoio de um médico, enfermeiro ou bombeiro.
Os 37 nascimentos sem a presença de um profissional de saúde são um número reduzido, quando comparado com os mais de 84 mil partos, mas são vistos com preocupação pela Ordem dos Médicos. Ordem e Sociedade de Obstetrícia aconselham as grávidas a optar por um hospital.
Quase todos os partos (98%) são assistidos por um médico ou enfermeira parteira. Uma parte ínfima acontece na presença de enfermeira sem especialização ou, num número menor ainda, por outro profissional com formação em saúde. É o caso dos bombeiros, que só podem tripular uma ambulância de socorro se tiverem um curso reconhecido pelo INEM, com um módulo sobre partos, explicaram ao JN Jaime Marta Soares, da Liga de Bombeiros, e Duarte Caldeira, especialista em proteção civil.
Sobram 37 crianças, que nasceram sem qualquer tipo de assistência médica. Este é o número mais alto da década, superior aos 32 de 2014, quando Portugal vivia sob regaste da troika, e aos 19 de 2019.
Medo e falta de papéis
A pandemia de covid-19 está na base das três explicações preliminares para o aumento avançadas ao JN por João Bernardes, presidente do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos.
A primeira é o receio de ir ao hospital. "Chegaram mais tarde e houve menos internamentos", disse. Segundo, o receio foi utilizado por movimentos que incentivam o parto em casa: "Foi explorada a perceção, errada, de que os hospitais eram locais de risco de transmissão de covid-19".
Terceiro, a pandemia atrasou o processamento dos pedidos de regularização de imigrantes que, indocumentados, evitam ir a hospitais. Das 26 mortes maternas de 2017 e 2018, oito (23%) foram de estrangeiras. A desproporção é enorme: estas mulheres só respondem por 10% dos partos.
Nuno Clode, presidente da Sociedade de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, acrescenta um quarto: os casos, raros, de mulheres que têm o bebé sozinhas, como o da mãe condenada por deixar o recém-nascido num ecoponto, no ano passado. "Este não é um problema médico, é um problema social". Ou dos partos que são tão rápidos que não dão tempo a que chegue ao hospital. Sendo o hospital o local recomendado para o nascimento de uma criança, concordam.
João Bernardes assegura que o risco de morte materna é 25 vezes superior se o parto ocorrer fora do hospital. É uma questão de prudência, acrescentou Nuno Clode: "A grávida pode escolher um parto em casa, mas deve estar consciente do risco" do aparecimento de complicações. "Quando corre bem, é maravilhoso", mas, diz, "tenho visto situações dramáticas".
EM CASA
Ordem recebe queixa contra um médico
A Ordem dos Médicos recebeu há semanas uma denúncia da participação de um médico num movimento de incentivo ao parto no domicílio, nas redes sociais. A lei define os recursos humanos e técnicos necessários à assistência a um parto, que só existem em hospitais. Por isso, a participação de médicos em movimentos contrários à recomendação é sancionada. As averiguações estão em fase preliminar.