Do total de 14.265 menores que deram entrada no país, apenas 4376 estão matriculados. Associação de ucranianos está alarmada com os números e aponta dificuldades de integração. Língua e cultura são barreiras.
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Há quase dez mil crianças e jovens, refugiados da guerra da Ucrânia, que deram entrada em Portugal, mas não estão matriculados em nenhum estabelecimento de ensino português. O número está a alarmar a Associação dos Ucranianos em Portugal, que se diz preocupada com o percurso escolar desses menores, com a forma como estão a ocupar o seu tempo e com a sua inserção na sociedade.
Cerca de 25% dos 55.635 refugiados oriundos da Ucrânia que entraram em Portugal são menores. Os números, fornecidos ao JN pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) na passada quarta-feira, revelam que o país recebeu 14.265 pedidos de proteção temporária de crianças e jovens, entre os zero e os 17 anos. Alguns vieram da Ucrânia, mas são de outras nacionalidades. No entanto, de acordo com o Ministério da Educação, estão matriculados nas escolas portuguesas apenas 4376 desses menores. Ou seja, há 9889 que não estão.
Mesmo admitindo que alguns desses quase dez mil refugiados possam não estar ainda em idade escolar, Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP), diz-se preocupado. "Isto está a acontecer também noutros países. Não se trata de falta de estruturas para os acolher. Mas, sim, de falta de apoio psicológico, para que percebam que é importante andar na escola, mesmo que seja temporariamente", adianta Pavlo Sadokha. "Onde é que estas crianças e jovens estão? O que fazem quando os pais estão a trabalhar?", questiona o dirigente associativo.
Afonso Nogueira, responsável pelo espaço "Todos Aqui" - um centro de atendimento a pessoas refugiadas da Ucrânia, criado pela Câmara de Lisboa -, partilha da mesma visão. "É preocupante não estarem em nenhum sistema de ensino, não saírem de casa e não conviverem com outras crianças e jovens. Temos tentado, diariamente, passar a mensagem de que a escola portuguesa é segura e gratuita", sublinha. Confrontado pelo JN com a diferença de números, entre os que entraram no país e os que estão nas escolas, o Ministério da Educação alegou que essa questão foge das suas competências.
Relatos do terreno
De acordo com o Governo, 719 dos menores estão inscritos no Pré-Escolar, 2942 no Ensino Básico e 715 no Ensino Secundário. Os municípios com mais alunos matriculados são Lisboa (com 315), Cascais (290), Sintra (170), Albufeira (149) e Portimão (144).
Afonso Nogueira diz que se está a assistir a "dificuldades de integração" destes alunos nas escolas portuguesas. "Principalmente, na faixa etária entre os 11 e os 15 anos. Essa informação tem-nos chegado através das assistentes sociais e psicólogas dos agrupamentos. As questões culturais e linguísticas são uma barreira muito grande", adianta.
Por isso, segundo Pavlo Sadokha, a AUP tem em vista um projeto, numa parceria com o Ministério da Educação e a Fundação Gulbenkian, para ajudar à inclusão de crianças e jovens refugiados da Ucrânia no sistema educativo português. O "Ed Ukr" ainda não tem data para começar, mas está previsto ser implementado em 50 escolas, onde uma equipa multidisciplinar ajudará na inserção.
O que a associação perceciona é que o objetivo de grande parte das famílias refugiadas é regressar à Ucrânia. "Há muitas famílias divididas e o fator psicológico é muito forte. E os mais velhos, como os meus pais, que fui buscar no início do conflito, todos os dias perguntam quando podem regressar porque querem morrer na Ucrânia", diz Pavlo.
Mais de 1500 pessoas terão ido embora
O ACM diz que, dos 55 635 pedidos de proteção temporária recebidos até 6 de dezembro - 32.613 de mulheres e 23.022 de homens -, 1529 "foram cancelados até ao momento, segundo dados do SEF". Pavlo Sadokha confirma que a AUP tem recebido alguns pedidos de ajuda, de cidadãos que querem regressar à Ucrânia. "Não regressam por falta de apoio, nem de atenção, porque nisso Portugal foi exemplar. Regressam porque não aguentam mais estar longe das famílias", explica o dirigente, acrescentando que "alguns até voltaram para cidades que ainda estão em perigo, porque preferem a insegurança a estarem separados dos seus".