Esquema existe há 10 anos e é mantido com constante mudança de endereços na net. PSP e PJ acumulam queixas. Ordem dos Advogados tem processos desde 2015.
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Em 2008, foi notícia pelo que prometia: o divórcio online, sem complicações e em 24 horas. O seu "inventor", Pedro Miguel Januário Lourenço, foi entrevistado e citado em jornais e televisões portugueses e estrangeiros. O site nasceu como www.divorcionahora.com. Mudou de designação várias vezes e agora chama-se www.divorcio24horas.pt. Mas as queixas contra este suposto "jurista" sucedem-se na PJ, PSP e na Ordem dos Advogados. O divórcio não presencial é impossível, mas Lourenço continua a enganar e gaba-se de ter feito cinco mil divórcios, faturando 460 mil euros.
O esquema de burla é mantido há mais de 10 anos na Internet por causa da sucessiva mudança de endereços. E também, aparentemente, porque o facto de o IP (localização do endereço de Internet) do site www.divorcio24horas.pt estar localizado nos Estados Unidos da América dificulta a identificação e localização do suspeito por parte das autoridades.
Rita (nome fictício), separada de facto há dois anos, decidiu fechar esse capítulo da sua vida e divorciar-se. Sem filhos nem património para partilhar e em pleno acordo com o ainda marido, o passo a dar não parecia complicado.
Um dia, enquanto navegava na Internet para saber quanto custava e o que era necessário para um divórcio por mútuo consentimento, encontrou uma página que prometia o divórcio em 24 horas: www.divorcioonline.com. O preço (280 euros) era igual ao cobrado por qualquer Conservatória do Registo Civil. Após preencher um formulário, no fim lia-se: "Solicito acesso imediato ao Divórcio 24 Horas Online Amigável, pelo valor de 280 euros* (Tudo incluído)".
O diabo está sempre nos pormenores (como é o caso do asterisco, não explicado no site), e disso se apercebeu Rita, que critica a sua "estupidez".
"Preenchi o formulário inicial e enviaram-me os dados para pagamento online ou numa caixa multibanco, com o número de uma entidade [21800], o que deveria fazer no prazo de uma hora. Assim fiz, e logo acedi aos documentos para preencher com os nossos dados, moradas, números de cartão de cidadão, etc... Logo a seguir, a pagar 280 euros, recebo novo e-mail para enviar mais 250 euros das custas judiciais cobradas pelo Estado", refere.
As campainhas de alarme soaram quando Rita enviou e-mails que vieram devolvidos. Uma análise atenta do site (do qual não constava morada física ou contacto telefónico) confirmou que foi burlada, como centenas de outras pessoas.
Diligências desde 2015
Fonte da PSP confirmou ao JN a existência de várias queixas que têm sido encaminhadas para a Polícia Judiciária.
Paulo Pimenta, do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, confirmou ao JN diligências sobre a atividade do "jurista". "O que esse senhor faz configura crime de Procuradoria Ilícita", sublinhou.
"O assunto já foi apreciado pelo Conselho Regional do Porto em 2015, mas foi determinado o seu envio para Lisboa, pois tivemos conhecimento de diligências lá feitas", afirmou Paulo Pimenta.
O responsável alerta ainda para a impossibilidade de um divórcio online: "Em teoria é possível, desde que todos os documentos sejam apresentados, submeter o pedido de manhã e obter o divórcio à tarde. Mas os interessados têm de manifestar a sua vontade pessoalmente".
Deco chama a atenção para sinais de alerta
O site "divorcio24horas.pt" tem um grafismo pobre, mas dispõe de links para páginas do Estado. A associação de defesa do consumidor Deco recomenda que se desconfie de sites que não tenham no endereço https e o símbolo Safe. Deve ler-se com atenção todas as informações e procurar obter o endereço físico da empresa/loja e contactos telefónicos. Elementos que não constam daquele site.
Afirma ter tramitado cinco mil divórcios e faturado 460 mil euros
Pedro Januário Miguel Lourenço tem duas entradas na Wikipedia: uma com o nome da empresa que criou e as iniciais do seu nome (PMJL); e outra como Pedro Januário. Nelas pode ler-se que nasceu em 29 de janeiro de 1974 e é "um jurista português que promoveu a primeira apreensão de domínio da Internet num processo de cobrança de dívidas e também inventou a procuração electrónica e o divórcio eletrónico".
Além disso, diz que foi "nomeado para o Innovative Entrepreneurship Award concedido pelo presidente de Portugal e para o Leader Quest Award 2008 concedido pelo Harvard Club Portugal".
Mais de 5 mil divórcios
Pedro Januário concorreu, em 2008, ao prémio Cotec (Associação Empresarial para a Inovação), patrocinado pela Presidência da República, que visa recompensar o empreendorismo inovador na diáspora portuguesa. Do currículo que apresenta consta ainda que exercia a sua atividade no Reino Unido, na área da justiça, através de uma empresa chamada PJML Limited (curiosa a similitude das siglas com a conhecida sociedade de advogados PLMJ) e tinha 12 funcionários. "O candidato inventou a "Procuração na Hora". É um defensor que a tecnologia deve existir para defender os seres humanos", lê-se.
Um ano depois mantém-se o texto e acrescenta-se que "redigiu uma tese sobre Criminalidade Informática no Ciberespaço, na Faculdade de Direito de Coimbra" e que mantinha o site www.direitonahora.com. Em 2013, já só dá pelo nome de Pedro Januário, apresenta-se como tendo 28 anos e a residir nos EUA.
No texto pode ler-se que inventou o "Divórcio na Hora", que começou a funcionar em 2008 e "já tramitou mais de cinco mil processos e 500 mil dólares [cerca de 460 mil euros]".
Pedro Januário diz que está sediado em Silicon Valley e prestou consultadoria e voluntariado na "Obama for America", Nações Unidas e Microsoft.