"Trapalhadas", "mentiras" e "festival de incoerência". A narrativa do Governo em torno do parecer jurídico para sustentar a demissão da CEO, Christine Ourmières-Windener, e do chairmain da TAP, Manuel Beja, está sob a mira dos partidos. PSD, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e Chega exigem que António Costa dê explicações por que é que há três ministros a contradizerem-se e ponha ordem na casa.
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Em dois dias, o Governo passou de recusar a entrega do parecer jurídico para sustentar a demissão da CEO e do chairman da companhia nacional à comissão de inquérito da TAP por salvaguarda do interesse público para afirmar que, afinal, não existe qualquer documento nem se justifica que exista. As ministras Adjunta e dos Assuntos Parlamentares e da Presidência defenderam, na passada quarta-feira, que a demissão da CEO e do charmain da TAP não se enquadra no objeto da atual comissão, porque foram posteriores à sua constituição, e que a divulgação do parecer jurídico coloca em causa o interesse público na defesa jurídica do Estado face à contestação judicial dos despedimentos. Um dia depois no Parlamento, o ministro das Finanças garantiu que não será enviado qualquer documento, uma vez que o parecer não existe.
No mesmo dia, na comissão de inquérito da TAP, o presidente da Parpública confirmou que assinou uma deliberação conjunta com a Direção-Geral do Tesouro e Finanças sobre a exoneração por justa causa dos dois dirigentes da TAP, mas sem que fosse acompanhada de um parecer jurídico específico. "Confirmo que assinei uma deliberação por escrito acompanhando a nossa acionista [DGTF ]", começou por responder, referindo não ter por base "nenhum parecer jurídico específico", mas sim uma "minuta aprovada pelo ministro", afiançou.
Ora, a narrativa contraditória do Governo em torno de um parecer jurídico que afinal não existe está a merecer duras críticas dos partidos da oposição e, mesmo dentro do PS, há quem defenda que faltam explicações.
Governo terá de prestar informação, diz socialista Bruno Aragão
Ainda na noite desta quinta-feira, o presidente da Iniciativa Liberal acusou o Governo de protagonizar um "festival de incoerência", com três ministros a contradizerem-se. "A central de comunicação do PS já nem consegue sintonizar os ministros na mesma narrativa", assinalou Rui Rocha, questionando quem é que está a mentir e exigindo explicações a António Costa. "Qual é o parecer de António Costa sobre este festival de incoerência e total desrespeito pela Assembleia da República".
Já esta sexta-feira no fórum da TSF sobre a TAP, o coordenador dos deputados do PS na comissão de inquérito da TAP, Bruno Aragão, defendeu que há esclarecimentos a fazer e devem ser feitos no Parlamento.
"A melhor forma de responder é no âmbito da comissão de inquérito, fazendo, formalmente, aquilo para a qual a comissão nos mandatou. Nós pedimos documentação a diferentes entidades, essas entidades, seja o Governo ou outras, responde. A comissão se discorda deve tomar um conjunto de diligências, as entidades têm novamente que reportar à comissão, têm poderes próprios muito alargados e, a partir daí, a comissão tem de tirar conclusões", sublinhou, em declarações, à rádio nacional. O deputado insistiu que acredita nas instituições e que cabe ao Governo esclarecer este caso.
"O grupo parlamentar e a comissão de inquérito não gerem o Governo. Pedem informação ao Governo, o Governo terá de prestar essa informação e nós avaliaremos. Se há dúvidas, o Governo esclarecerá. Se a comissão de inquérito ou o Parlamento não se sentirem esclarecidos, voltarão a pedir esclarecimentos ao Governo", acrescentou ainda.
PSD quer respostas ainda hoje
No entanto, o PSD, BE e Chega reiteraram que António Costa não pode ficar em silêncio. O social-democrata Nuno Luz garantiu que o partido "aguarda pelas respostas do primeiro-ministro" nas próximas horas face às mentiras e às omissões de informação.
"António Costa tem de falar ao país. Os seus ministros mentem e omitem. É mau para Portugal e para a credibilidade das instituições públicas", frisou o deputado do PSD.
André Ventura atacou, igualmente, a credibilidade do Governo e, além dos esclarecimentos do primeiro-ministro, pediu ação, nomeadamente demitindo as ministras Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva. Caso se prove que, também, Fernando Medina faltou à verdade, o líder do Chega defendeu o mesmo destino para o ministro das Finanças.
"O Governo está a mentir outra vez e é mais um tiro na credibilidade" do Executivo socialista, declarou Ventura, que já pediu à comissão de inquérito da TAP que solicite a entrega de toda a documentação que sustenta a demissão dos dois dirigentes da TAP e a troca de correspondência entre o Governo e as entidades públicas em torna da exoneração.
BE diz que demissões foram decisão "imponderada"
A bloquista Mariana Mortágua considerou que as contradições dos três ministros são mais um sinal de que a exoneração da CEO e do chairman da TAP é uma "enorme trapalhada sem ponta por onde se pegue". Ouvida no Fórum da TSF, a deputada do BE suspeita que a demissão dos dois dirigentes foi uma "decisão imponderada" e lamentou o desacerto entre os ministros.
"Alguém está a mentir. Tem sido uma sequência de trapalhadas. O primeiro-ministro tem que pôr ordem na casa e esclarecer esta situação. Não é pouco grave ter três ministros a contradizerem-se", assinalou Mariana Mortágua, para quem era "óbvio" que não existia qualquer parecer jurídico.
"O Governo foi apanhado numa situação para a qual não se preparou e mentiu para fugir à situação. O primeiro-ministro tem que esclarecer o que se passou. É mais uma novela resultante da descoordenação do Governo", reiterou.
Já Bruno Dias, do PCP, referiu que é preciso um "corte" nas políticas para as empresas públicas, em particular para a TAP.
"O PCP tem defendido o fim desta abordagem de secretismo na condução da gestão pública. Desde sempre que temos alertado para a exigência que haja transparência e escrutínio na condução destes processos. Percebemos, claramente, que o que existe não é um parecer, mas uma deliberação. As opções políticas estratégicas têm sido más. A atuação do Governo favorece outros interesses do que os interesses nacional. Devem ser assacadas conclusões" para alteração das políticas, argumentou o deputado Bruno Dias.