Um relatório para não deixar pedra sobre pedra, uma fachada amarela, uma cama em chamas, um caçador madrugador e um país de infinitas desgraças.
Corpo do artigo
"Hediondo" é um adjetivo suave. Hoje conheceu-se o relatório da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa. A entidade recebeu 512 testemunhos validados, tendo enviado 25 casos para o Ministério Público. Presidida pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, a comissão contabilizou 4815 vítimas. A maioria dos abusos sexuais agora denunciados aconteceu entre os anos 1960 e 1980 e já prescreveu. Os criminosos eram homens em 97% dos casos, padres em 77%, e em 47% das situações faziam parte das relações próximas da criança. Criança: as vítimas andavam sobretudo entre os dez e os 14 anos. Viessem os crimes de outra organização e seria expectável que dela não restasse pedra sobre pedra. Seria pelo menos expectável que tudo fosse repensado na mais anacronicamente poderosa das instituições: a concordata, a isenção fiscal, os altares-palco. Seria expectável, seria desejável para o arejamento da sociedade civil. Mas a Igreja Católica reside na categoria das empresas-estado e das entidades financeiras: são "too big to fail", demasiado grandes para falhar.
Também grande e sem predisposição genética para falhar, a Galp viu a fachada da sede em Lisboa decorada com tinta amarela por ativistas da plataforma Parar o Gás, em reação aos 881 milhões de euros de lucros obtidos pela empresa em 2022, quase o dobro em relação a 2021.
A jornada não foi simpática para outras instituições. Na Academia Militar da Amadora, uma cama em chamas (ao que se sabe, sem qualquer relação com o Dia dos Namorados vindouro) provocou 15 intoxicados, internados em diversos hospitais de Lisboa.
Em Mirandela, um homem de 52 anos prestou tributo à personagem de Robert Duvall em "Apocalypse now" - mais coisa, menos coisa. Se o tenente-coronel Bill Kilgore proclamava o amor pelo cheiro a napalm ao nascer do dia no filme de Francis Ford Coppola, naquela cidade transmontana o Núcleo de Proteção Ambiental da GNR deteve em flagrante um indivíduo em ato de caça com arma de fogo antes do nascer do sol. O amor ao cheiro a pólvora pela fresquinha valeu-lhe multa e ida a tribunal.
No noroeste da Síria, o cheiro a guerra foi substituído pelo da morte e destruição causados pelos sismos de há uma semana. Mas só agora as milícias turcas permitiram a passagem de uma caravana com ajuda humanitária para a Administração Autónoma do Norte e Leste da Síria, território curdo que tenta há mais de uma década sobreviver à fúria genocida do regime de Bashar al-Assad. As desgraças, sob as mais variadas formas, atacam em matilha.