"Better Call Saul" é uma série televisiva em que o protagonista, um advogado ambicioso e com talento especial para furar regras, faz um vídeo publicitário para convencer idosos a aderirem a uma ação coletiva contra uma cadeia de lares que andava a roubar os utentes há anos. Jimmy McGill, ou "Saul", falara da hipótese do vídeo ao homem forte da sociedade de advogados numa conversa fugaz, quando o segundo saía do escritório a caminho do fim de semana. O patrão torceu o nariz e remeteu a decisão para mais tarde, porque o vídeo não se enquadrava no perfil conservador da sociedade, mas o impulsivo Jimmy não aguentou. Realizou o vídeo e fê-lo passar numa televisão, uma única vez. O resultado junto dos idosos foi espetacular, com os telefones do escritório inundados de chamadas de lesados, mas o patrão de Jimmy sentiu-se ultrapassado e ficou furioso. A demissão afigurava-se inevitável. Só que o patrão gostava de dar segundas oportunidades. E aceitou o pedido de desculpas de Jimmy.
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Lembrei-me daquele episódio de "Better Call Saul" esta quinta-feira de manhã, quando aqui demos a notícia de que o primeiro-ministro mandara revogar o vídeo, perdão, o despacho do ministro Pedro Nuno Santos que retomava a opção pela construção de um novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete. A alegoria pareceu fazer ainda mais sentido ao saber-se que o ultrapassado primeiro-ministro tinha aceitado o pedido de desculpas de Pedro Nuno Santos e que este continuaria no Governo. E quem viu a série não terá dificuldade em reconhecer, por exemplo, na reação do presidente da Câmara de Alcochete ao despacho do ministro, o entusiasmo dos idosos que viram no anúncio televisivo de Jimmy McGill alguém que finalmente se dispunha a resolver um problema com décadas...
Mas talvez o noticiário que domina a atualidade desde quarta-feira à noite não permita uma leitura tão simplista quanto sugere o paralelismo feito com "Better Call Saul". Porque a realidade, se se alimenta a ficção, tende ultrapassá-la em complexidade. A ver vamos, no futuro.
Esta quinta-feira, veja-se outro caso que parece de ficção, para pior. A criança de três anos que morreu na semana passada em Setúbal sofreu dezenas de agressões, nomeadamente no crânio, que se revelaram fatais, revela o relatório preliminar da autópsia.
Outra história a conferir é a que reporta algumas das conclusões do relatório da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica em Portugal. "Os membros da Igreja Católica em Portugal que abusaram sexualmente de crianças e jovens são "maioritariamente" padres, mas também há "catequistas e religiosas (freiras)" entre os abusadores, revelou Ana Nunes de Almeida, socióloga e membro da dita comissão.
Para aliviar, entre a ficção e realidade, avalie o projeto de adaptação do romance "Todos os Nomes", de José Saramago, a um espetáculo de dança, sexta-feira, dia 1, em Lisboa, bem como algumas das propostas musicais que a secção de Cultura faz para o próximos fim de semana, no Porto e arredores.