O Consultório Sustentabilidades desta semana por Joana Guerra Tadeu, ativista pela justiça climática e autora de "Ambientalista Imperfeita".
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"Com o calor insuportável que tem estado (é de mim ou cada verão é pior que o anterior?), estou a ponderar instalar ar condicionado cá em casa. Mas estou cheia de sentimentos de culpa. Faz assim tão mal? Existe uma forma mais sustentável de ter algum fresco?"
Mariana Gomes
O ar condicionado (AC) é um salvador local que agrava o aquecimento global. Consegue, literalmente, salvar populações vulneráveis expostas a ondas de calor extremas - a mais recente, em junho, causou pelo menos 2305 mortes na Europa. Mas a expansão do seu uso está a aumentar o consumo de energia e as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) que aquecem o planeta.
O AC permite-nos fingir que está tudo bem, enquanto o Mundo está a arder. Quem pode, compra uma bolha individual de frescura, onde é possível esquecer que há gente, literalmente, a morrer de calor. Incluindo ativistas climáticas exaustas, que dormem mal com o peso da emergência climática, mas dormem pior com o inferno que é o verão num apartamento mal isolado. E quanto mais confortável for ignorar, mais difícil será agir. Alterar a forma como arrefecemos os nossos corpos, casas e alimentos é uma das medidas mais eficazes para reduzir as emissões globais. O AC contribui com cerca de 3% das emissões de GEE, consome quase 7% da eletricidade mundial e liberta calor para o exterior durante a utilização, agravando o efeito de ilha de calor nas cidades, tornando o seu uso mais necessário, num círculo vicioso. Além disso, o aumento do consumo pressiona as redes elétricas em picos de calor, agravando situações de pobreza energética. Impactos que podem triplicar até 2050.
Além disso, o AC funciona com gases refrigerantes, alguns com um potencial de aquecimento global mais de duas mil vezes superior ao dióxido de carbono, que podem ser libertados por fugas ou no descarte do aparelho.O uso de AC duplicou na Europa desde 1990 - quanto mais calor, mais o usamos; e quanto mais o usamos, mais agravamos o calor. Vivemos num compromisso difícil entre adaptação à nova realidade climática e mitigação das causas que a vão piorar. A solução não é transpirar estoicamente em nome do planeta, mas também não pode ser alcançar o direito ao conforto térmico com base em soluções individuais que consomem recursos de todos.
Precisamos de reimaginar o que significa conforto num planeta em crise. Isso implica soluções coletivas e políticas públicas: urbanismo adaptado, com mais árvores, sombras e espaços verdes que baixem a temperatura das cidades; regulamentação e apoios à adoção de medidas de arrefecimento passivo (isolamento térmico, telhados brancos ou verdes, ventilação cruzada, estores exteriores); e, em casos extremos, apoio à aquisição de bombas de calor de alta eficiência e AC com refrigerantes de baixo impacto climático, sempre com prioridade para os grupos mais vulneráveis.
E para os hipócritas suados, como eu, aqui vão alguns conselhos para adquirir um AC: escolher modelos classe A++ ou superior e refrigerantes como o R32 ou, idealmente, o propano (R290); escolher a potência certa e instalar a unidade exterior à sombra e em zona ventilada; definir a temperatura entre os 24 e 26 °C, usar temporizadores e fechar portas e janelas durante o uso para não desperdiçar energia; fazer manutenção regular e garantir a recolha adequada do gás refrigerante no fim de vida, contactando um técnico certificado.Sim, o AC é um alívio. Mas não é uma solução; é um mecanismo de sobrevivência disfuncional. Merecemos mais.
*A NM tem um espaço para questões dos leitores nas áreas de Direito, jardinagem, saúde,
finanças pessoais, sustentabilidade e sexualidade. As perguntas para o Consultório devem ser enviadas
para o email magazine@noticiasmagazine.pt