Veste-se informalmente, está escondida em parte incerta e não sabe quando regressará à Venezuela. Originária de uma família de emigrantes lusos, adora bacalhau. É Prémio Nobel da Paz.
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Quando a 10 de outubro passado Kristian Berg Harpviken, diretor do Det Norske Nobelinstitutt (Instituto Norueguês do Nobel), telefonou a Maria Corina Machado para lhe comunicar a atribuição do Prémio Nobel da Paz, escutou do outro lado da linha uns breves segundos de silêncio. Escondida em parte incerta por questões de segurança, a venezuelana que se tornou o principal rosto da oposição ao presidente Nicolás Maduro balbuciou depois, a muito custo, algumas palavras. E pareceu não acreditar na notícia que lhe davam em primeira mão, antes mesmo da comunicação pública da distinção. "Ó meu Deus, ó meu Deus, ó meu Deus", repetiu emocionada. "Muito obrigada, mas espero que entenda que se trata de um movimento, da conquista de toda uma sociedade. Eu sou apenas uma pessoa, certamente não mereço", explicou. "Acho que vou levar muito mais tempo para acreditar no que acabei de ouvir. É uma honra", desabafou.
Filha mais velha de uma psicóloga e de um empresário ligado ao ramo da siderurgia, Maria Corina Machado nasceu em Caracas e tem sangue português a correr-lhe nas veias. Originária de uma família que há dois séculos atravessou o Oceano Atlântico em busca de vida melhor na Venezuela, não renega os antepassados e antes de viver na clandestinidade era comum vê-la nos encontros da Academia do Bacalhau, que junta a comunidade lusa emigrante. Ela própria é apreciadora do fiel amigo. "Tenho muitos amigos entre os portugueses, que me têm demonstrado igualmente muito carinho. Qualquer venezuelano sabe que são muito trabalhadores e generosos", disse numa entrevista concedida à Agência Lusa.
Depois de se ter licenciado em Engenharia Industrial e concluído o mestrado em Finanças, no início da década de 1990, iniciou a colaboração com universidades norte-americanas, como a de Yale, e participou em programas internacionais de cooperação, ganhando destaque ao ponto de lhe ser atribuída uma bolsa para líderes mundiais emergentes. Fundou uma associação para ajudar crianças desfavorecidas, a Atenea, e, em 2002, já Hugo Chávez (1954-2013) liderava a Venezuela, ajudou a criar o partido Súmate (Junta-te) e transformou-se num dos principiais rostos da oposição. Eleita deputada, acabou expulsa do cargo por ordem do regime depois de confrontos verbais de grande tensão política com o próprio Chávez, no Parlamento.
Em 2012, tentou concorrer às eleições presidenciais. Apesar do apoio conseguido junto da imprensa internacional, em particular a dos EUA, não conseguiu passar das eleições primárias, da chamada Mesa Redonda da Unidade Democrática, que juntou diversas figuras ligadas à oposição. Ficou em terceiro lugar, com apenas 3,7% e falhou a candidatura.
Mas não desistiu. Criou, em 2012 o partido Vente Venezuela (Venha Venezuela), que daria origem à aliança Soy Venezuela (Sou Venezuela). Na campanha eleitoral para as últimas eleições presidenciais, realizadas 28 de julho do ano passado, às quais foi impedida de concorrer, Edmundo González tomou aquele que seria o seu lugar. Mas o palco foi todo para ela. Nos desfiles de autocarro que enchiam as ruas das cidades e vilas por onde marcava presença a caravana, Corina surgia vestida de forma informal, geralmente calças jeans e camisa, e abria os braços ao povo em sorrisos largos. E era para si o grosso da admiração dedicada pelos populares. Após o escrutínio, que ditou nova vitória de Nicolás Maduro, sob muitas suspeitas de fraude, teve de fugir para não ser detida.
"Não posso deixar o lugar onde estou escondida porque há ameaças diretas contra a minha vida", explicou ao jornal norueguês "Dagens Naeringsliv". "Aprendi a viver dia a dia. Será assim enquanto Nicolás Maduro estiver no poder", reforçou, dando a certeza de que não comparecerá à cerimónia de entrega do Nobel da Paz a não ser que a situação política na Venezuela se altere substancialmente. "Acredito que Maduro tem os dias contados, apenas não sei quando chegará esse momento", confia.
Próxima de Donald Trump, de quem não esconde a admiração política, foi casada 11 anos com o descendente de um dos homens mais ricos da Venezuela e teve três filhos. O Nobel da Paz reconheceu-lhe agora "o trabalho incansável para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia".
Em 2024, recebeu os prémios Vaclav Havel de Direitos Humanos e Sakharov. Um ano mais tarde veio a mais simbólica das atribuições, a tal que demorou a acreditar que fosse verdade até aceitar a "honra" de a receber.