A escolha científica dos candidatos autárquicos
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Uma das mais relevantes incumbências das lideranças partidárias é a seleção daqueles que vão ser sufragados como candidatos a presidentes de Câmara. Outrora, essa seleção era informada por critérios político-qualitativos. Hoje em dia, ao que se vai vendo, encomenda-se essa triagem a empresas de sondagens, as quais testam no mercado eleitoral a recetividade aos produtos oferecidos. É o equivalente partidário ao teste de embalagem.
Há quem designe esta mercantilização da política como uma validação de “base científica”. Assim o fazia um dirigente local, há tempos, referindo-se à escolha do candidato a uma importante Câmara do país. É um método eficaz para vergar os órgãos partidários à “ciência”, em vez de os estimular a debater o perfil político dos candidatos. O debate torna-se obsoleto. A decisão é substituída por dados. A política prescinde da política.
Ao tornarem as suas escolhas subsidiárias de estudos de mercado, tais dirigentes dar-se-ão conta de que estão a passar a si próprios um atestado de incapacidade política?
Assim se prepara o caminho para o dia em que será o algoritmo a categorizar os hipotéticos candidatos, com base nos perfis e currículos que os líderes partidários lhe derem a mastigar. Depois, estes aguardarão pelo oráculo, para comunicá-lo solenemente à militância narcotizada. Assistiremos ao triunfo do dataísmo como ideologia.
Até chegarmos aí, não será melhor recrutar numa classe que suscite menos desafeição que a classe política, já que a notoriedade é o critério decisivo? Ocorrem-me as vedetas da bola ou da TV. Para não falar dos “influencers”, cujo peso é crescente em desfechos eleitorais.
Ironias à parte, devemos perguntar-nos, face a tal devoção pelas preferências do público-alvo, porque é que os partidos não abrem a escolha dos candidatos autárquicos aos cidadãos em geral, avançando com a realização de eleições primárias. A resposta é óbvia. Os aparelhos partidários estão infestados de líderes locais cujo principal talento - quando não o único - consiste em manter sob apertada vigilância micropoderes e microdependências. A realização de primárias podia descobrir-lhes a careca, sujeitando-os a derrotas democráticas que não estão dispostos a sofrer.