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Estava sexta-feira a ver no sofá, em directo na televisão, a preparação do assalto do exército israelita a Gaza. Pensei em levantar-me, mas o que é que a minha indignação ganhava com estar em pé?
O que é que muda falarmos de uma tragédia à vista? E termos opiniões tremendas e zangarmo-nos uns com os outros?
Estávamos a poucas horas do início da tomada da faixa de Gaza. O governo e o exército de Israel tinham dado apenas 24 horas a mais de um milhão de crianças, mulheres e homens palestinianos, ou palestinos, como agora se diz, para correrem para sul, largando as suas casas, largando tudo, ou naturalmente morreriam a bomba ou tiro. Eu, que só queria a existência de dois territórios e dois Estados, e a paz entre os dois, e que cheguei a pensar que isso era possível, vejo apenas um abismo: os canalhas do Hamas e os canalhas da extrema-direita israelita irredutíveis. Os assassinos de Netanyhau e os assassinos islamitas, todos fanáticos, em nome de cada um dos seus deuses sanguinários, prontos a exterminarem-se até à última alma.
Largaram-se as Fúrias.
Não vejo muita gente que preste no meio disto e não sei que mais diga. Sei, no entanto, que o massacre horrível de civis que se preparava em Gaza, em 24 horas, como se o mundo acabasse já e não houvesse tempo para um pouco mais, depois de tantos anos, não pode ser a resposta ao horrível massacre de civis que vimos no dia 7, praticado pelos radicais palestinianos que rebentaram os muros de Gaza e saíram por aí, celebrando com repugnante alegria a execução violentíssima e cara-a-cara de mulheres e crianças. E no meio disto, já agora, outro canalha, Vladimir Putin, também ele assassino de mulheres e crianças ucranianas, ainda se pode dar ao desplante de mostrar preocupação pela sorte de populações civis.
O mundo, visto desta minha sala, não tem regeneração. Perde-se como gotinhas de água no deserto.
No entanto, no entanto, agora lembrei-me de um homem que, por verdade ou desespero, testemunhou esta semana no tribunal, dizendo que acreditava no futuro.
Adriano. Anos e anos na prisão e, esta semana, ainda a viver na penitenciária de Lisboa, de onde foi trazido algemado por dois guardas, Adriano queria provar que, agora, estava pronto a ser libertado. Tinha de convencer a juíza que podia sair antes da pena terminar. Mas estava difícil. A sua história de crimes era longa.
- Em 2020 eu vivia na rua, disse Adriano, andava na droga e só pensava nisso.
- E depois foi preso.
- Agora há pouco tempo. Mas mudei.
- Mudou como?, continuou a juíza.
- Esta reclusão, a maneira como eu vivia na rua, nem uma animal quer viver desta maneira.
- Mas que garantia nos dá de que realmente mudou?
- Tornei-me uma pessoa melhor para mim mesmo, já não sou mais jovem. Tenho quase 40 anos de idade. O meu filho não merece a vida que lhe tenho dado.
- Mas porque é que esse acordar para a vida só lhe deu agora? Qual é a diferença em relação a 2020?
- Senhora, desculpe lá. Saí de lá convencido, mas tive uma recaída na droga. Agora não quero mais nada, não quero nem metadona, é uma droga que substitui o estupefaciente. Eu agora não consumo nada, só tabaco. Agora já sei a realidade da vida.
E por ali continuou Adriano, dizendo que a sua vida foi uma lástima e que agora se tornou mais homem, mais homem. Força, Adriano, aguenta-te, homem.
Recebi entretanto o convite de casamento da Ana e da Margarida e respondi-lhes, oh pá, que bela notícia contra o mundo.