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Nicolau Maquiavel atribuiu a Cosme de Médicis a afirmação de que os Estados não se governam com o “pater noster” nos lábios e o terço nas mãos. Como Maquiavel pretendia aconselhar sobre a realidade política e não sobre uma qualquer representação imaginária dessa realidade, estava em causa libertar os príncipes cristãos do moralismo evangélico da época. Mas, se não podemos subordinar a política às exigências da moral, também não podemos subordinar a moral às exigências da política. Até mesmo Kant, que identificava a política com o direito e elaborou uma ética rigidíssima, diferenciava o moralista político do político moral. Condenava o primeiro, mas louvava o segundo como aquele que interpreta os princípios da prudência política de modo a fazê-los coabitar com a moral. O ainda primeiro-ministro enjeitou essa coabitação.
Quando Luís Montenegro afirmou não ter cometido quaisquer crimes, revelou-se o hospedeiro de uma inconsciência tranquila. Ainda não se terá apercebido de que a sua conduta é moralmente ilícita e que não deixará de o ser mesmo que se venha a concluir que não foi juridicamente ilícita. A ética não se esgota em leis, códigos e regulamentos. Há leis íntimas, não escritas, que os políticos devem ditar a si mesmos.
Em contraste com a sua postura, mais ressalta a elevação do seu antecessor. Um parágrafo da Procuradoria-Geral foi suficiente para acionar o seu sentido ético e fazê-lo afastar-se de imediato. Contra o sentir de muitos portugueses, António Costa fê-lo para preservar a dignidade do cargo. Preservou-a. Luís Montenegro insistiu em ficar e, com isso, degradou o cargo.
A causa da crise política que estamos a viver é a crise ética de Luís Montenegro.
Na véspera do debate da moção de confiança, Pedro Nuno Santos deu uma entrevista onde disse o que se impunha: “aquilo a que estamos a assistir é à atuação de um PM sem ética”. Só foi pena não ter reiterado esse juízo no escabroso debate parlamentar da passada terça-feira, nem ter aí erguido o exemplo de António Costa para apelar a Luís Montenegro que se afastasse.
Não se governa um Estado com o terço nas mãos. Nem com dados de casino dissimulados na consciência.