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Lista de não-compras de Luísa numa loja de Lisboa:
Um par de chinelos, um casaco, um pack de meias, três botins de bebé, três pares de cuecas, dois pares de calças, um body pequeno, uma fralda de pano, um par de calções, um gorro de menino, um par de tenizinhos.
O que Luísa roubou custava, naquela grande loja do Centro Comercial Colombo, 132 euros. O que irá pagar será muito mais, contando-se a multa, as custas, o que mais vier nas especificadas, padronizadas, regras do crime de furto simples. Luísa entrou na loja com o bebé sentado no carrinho. Ao sair, várias coisas tinham desaparecido das prateleiras e seguiam escondidas debaixo do bebé.
Foi tudo devolvido à loja, intacto. Não houve qualquer prejuízo. Pode dizer-se que os objectos, as cuecas, o body, o gorrito, foram só dar um passeio pelo exterior das caixas registadoras, como se fossem espairecer da sua condição de objectos, enquanto Luísa era apanhada, em pânico, e discretamente levada para revista numa sala feita mesmo para isso: revistar ladrões. E chamaram a Polícia.
Quando receber a carta com a sentença, Luísa saberá os termos do futuro, novos problemas na sua vida de mãe.
Falei com a advogada à porta do elevador. Preparava-se para sair do tribunal e pendurava a toga no braço. A advogada também levava com ela, julgo eu, pena verdadeira, misericórdia e frustração com o caso.
- Foi pena, porque se tivesse vindo teria feito um acordo.
- Chegou a falar com ela?
- Nunca a vi, não falei com ela. Mas foi notificada. Tem 22 anos...
Eu vira a advogada, minutos antes, perguntar ao segurança da loja se tinha a certeza de que também a fralda tinha sido roubada por Luísa, se esta pertencia, sem margem de dúvida, à lista do furto da jovem, nós sabemos que uma mãe não sai de casa sem uma muda de bebé, e portanto a fralda podia já ter entrado com ela no carrinho, talvez vinda de outra loja... Mas também esta espécie de atenuante, de possível não-certeza, que podia beneficiar a ré, o segurança acabou por matar:
- Era uma fralda de pano da marca da loja.
Depois, o vigilante viu a foto do vídeo congelada na cena do clímax, a detenção, e reconheceu-se no vulto.
- Este sou eu.
- Então o vigilante que está à porta é o senhor. Não é preciso mais nada, disse o juiz.
Ao sair do Campus de Justiça, lembrei-me de um título que sempre trago na cabeça há 30 anos, não sei porquê: "O Ladrão de Cuecas". Tratava, como é fácil de perceber, de um homem que roubava cuecas. Foi um dos primeiros casos que escrevi no "Levante-se o Réu" e alguns perguntaram-se se era digno de uma coluna de jornal, se era acontecimento com a devida importância. E como também eu me perguntava o mesmo, fiz como aconselha o Mário de Carvalho: se te perguntas, porque é que não te respondes?
Sim, tem importância perceber o que leva um homem ao ridículo de roubar cuecas. É porque precisa.
Muitas vezes contei casos de furtos em conluio, por exemplo um casal, ou um grupo de mulheres, entra numa loja e uma delas distrai a vendedora, as outras roubam e fogem. Mas o bebé de Luísa não poderá ser acusado de conluio com a mãe, ou então o Mundo ainda estará pior do que sempre esteve. Uma mãe de 22 anos não apareceu no tribunal depois de usar o carrinho do bebé para roubar roupa para ele. E falhou. Tem importância, isto? Tem.
*Jornalista
o autor escreve segundo a antiga ortografia