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Alfredo tenta rebentar a lista dos seus créditos criminais. A liberdade condicional parece cada vez mais um regresso à prisão. Voltou à violência, chegou ao arraial popular do seu antigo bairro e pôs-se a olhar e a olhar para a mulher, Verónica, sabendo que fora proibido de se aproximar. E aproximou-se.
- Não me estás a ver, minha puta? Isto vai acabar, puta.
Veio a filha mais velha proteger a mãe e levou uma bofetada - "a tua mãe é uma puta"-, deu dois murros na mulher e atirou o telemóvel da filha para um arbusto. Braços grossos, careca brilhante, meias luas azuis nos olhos. Olhos de ódio, esquecimento e vergonha, que é mistura perigosa. Casaram há 25 anos, três filhas, a última é menor. Há semanas, chegou num Alfa Romeo azul e parou no passeio, "olhando fixamente" Verónica. Aparentava "estar ébrio de álcool e droga". A mulher desafiou-o:
- O que é que queres? Vamos acabar com isto!
Ele ficou só a olhar. Mas depois perseguiu-a até casa e disse:
- Vou-te matar, não tenho nada a perder, já estive preso, nada me importa.
Quatro afirmações nihilistas, todas, por assim dizer, cheias de um nada perigoso, pré-assassino. Verónica, diz a acusação, está muito fragilizada e em perigo. As anteriores prisões de Alfredo não serviram de nada, "continua com uma manifesta incapacidade de autocensura" e capaz de novos crimes.
- É o seguinte, disse o homem, quando saí em liberdade condicional, não a contactei durante seis meses. Ela é que veio ter comigo. Tenho consciência de que não devia ter falado com ela. Voltámos a estar os dois juntos. Mas tive um problema com álcool e drogas, o mesmo que em 2020. Daí as minhas mensagens à minha filha. Eu não sabia o que tinha acontecido.
- Não estou a perceber, disse a juíza, a sua filha tem problemas com drogas?
- Eu, eu! Eu não me lembrava do que tinha acontecido, do que eu tinha feito, e perguntava à minha filha.
Sobre tratamentos, disse que os queria:
- Eu tentei fazer, mas estavam a pedir-me três mil euros por mês e eu não tinha nove mil euros para isso. Graças a Deus, consegui livrar-me da droga e do álcool até ao dia de hoje.
- Porque é que lá estava no carro?
- Eu vivi ali 25 anos. Os meus amigos são todos dali. Eu agora vivo em casa da minha filha. Eu sei que isto é crime público, mas nem a Verónica quer procedimento criminal.
Isto era inesperado e precisava de uma explicação:
- Foi ela que me trouxe aqui, ao tribunal. Sei que dizer que não me lembro de nada não é justificação, mas não me lembro.
Perguntaram-lhe se estaria disposto a usar pulseira electrónica, ser controlado à distância. Ele não sabia bem o que responder. Parecia ainda acreditar no casamento. Saiu o homem da sala e entrou a mulher. É doméstica e tem 42 anos. Parece ter mais.
- Estamos aqui por causa da medida de coacção do seu marido. Como mulher dele, tem o direito de não falar. Quer falar?
- Não.
A juíza chamou de novo o homem e disse-lhe que em breve saberá a decisão. No corredor do tribunal, a mulher foi lá para o fundo, enquanto o marido falava com as duas filhas e a advogada. Magríssima, parecia um animal com medo, como os gatos que, um dia, ou porque adoeceram, ou por mistério, um cheiro, um stress, mudam de súbito de temperamento, zangam-se com o outro gato da casa, escondem-se, brigam noite e dia e nunca mais há paz.
Verónica ia-se aproximando em círculos, como gata assustada, não se percebia bem se queria voltar a estar com a família, se queria fugir dali para sempre.
*Jornalista