Corpo do artigo
Por estes dias, o povo do Porto e de Lisboa deve andar confuso. Munícipes e autarcas afirmam que a insegurança aumentou e exigem mais polícias. Por sua vez, as polícias declaram que tal não passa de uma perceção equívoca. A título de exemplo, os fregueses de Campo Maior, em Lisboa, descrevem um cenário saído dos “Gangues de Nova Iorque”, do mestre Scorsese, mas a PSP contrapõe com um “sentimento de insegurança subjetivo”... Os jornais não falam senão de facadas e altercações sanguinolentas, mas a PSP afirma que a criminalidade violenta diminuiu (e que foi aliás menor em 2023 do que em 2013!). Não se trata de um desacerto casual, mas de um desacordo radical e aparentemente inconciliável.
O caso complica-se quando percebemos que também Carlos Moedas e Rui Moreira andam confusos, pois nuns dias proclamam o aumento da insegurança e noutros falam, eles próprios, na perceção da insegurança... Serão os autarcas de Lisboa e Porto espíritos cartesianos ou discípulos de Berkeley, o filósofo imaterialista do século XVIII para o qual as coisas só têm existência na perceção?
Afinal, quando se exige a presença de mais polícias nas ruas, é para combater a insegurança ou a perceção da insegurança? Não reclamará esta última políticos (e jornalistas) com sentido da pedagogia em vez de polícias? A perceção educa-se.
O que parece não suscitar dúvidas epistemológicas é a degradação do espaço público causada pelo aumento do consumo de drogas, um vício conhecido por falsear a perceção do consumidor mas que pode explicar a perceção da insegurança.
Já na perceção de um número cada vez maior de portugueses, os turistas estragam tudo o que tocam e são culpados de, como nos versos de Ary dos Santos, “visitar o país/até à última gota”. Alguns portuenses e lisboetas abdicaram mesmo de frequentar lugares históricos das suas cidades (mas não das cidades dos turistas). Os locais não estão imunes a perceções estereotipadas. São muitos os que conhecem mal as suas cidades, da história à toponímia, a ponto de aí parecerem turistas... Talvez trocassem as voltas à sua perceção se, por uns dias, encarnassem esse papel...…