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Numa dessas extravagâncias do algoritmo, saltou-me hoje para o telemóvel a foto de um esquilo com as suas orelhas aladas, a cauda de fogo, os olhinhos de botão brilhante, o ar ingénuo que bate as escalas da fofura, e dizia na internet que, depois de ter sido dado como extinto no século XVI, o esquilo-vermelho reconquistou Portugal no século XXI, 500 anos depois, a partir da Galiza. Esta notícia é óptima mas já existia, é velha de 20 anos, e de vez em quando reaparece, mas fez-me recordar um dos mais estranhos réus que vi em tribunal e da sua vítima, um pobre esquilo-vermelho da mata do Monsanto. Um rapaz ligeiramente gordo que levava uma espingarda, era caçador furtivo. Viu um bichinho a uns metros, nas silvas, concentrado a roer. O rapaz fez pontaria à cabeça. Viu-lhe o olho escuro e, com o dedo ligeiramente gordo, disparou. No dia seguinte a aventura de Nuno, o caçador furtivo, tinha tomado proporções empolgantes. O polícia entregou uma descrição sumária no tribunal. “... por ontem, pelas 14h45, na Mata de Monsanto, junto à estrada do Outeiro, ter surpreendido o arguido a circular a pé, transportando numa das mãos uma arma de pressão de ar, de marca “Brema”, made in Italy e um saco na outra. Ao indagar-lhe o que trazia no saco, o mesmo de imediato me mostrou o seu conteúdo...” A novidade espalhou-se depressa no tribunal.
- Hoje está aí um palerma que matou um esquilo... e diz que o confundiu com um coelho! Nuno tinha 22 anos, estava desempregado. Mais tarde chamaram-no a julgamento, e eu anotei a conversa:
- Parecia um coelho de onde eu estava, disse ele à juíza. Eu sabia que era proibido mesmo matar coelhos... Eu até gosto de esquilos mas... Fiz mal em ter disparado. Mas depois também tive pena e levei-o. Pensou embalsamar o esquilo.
- Costuma fazer isto? - Tirando esta só mais uma... mas nunca apanhei nada!, explicou, com uma risadinha nervosa.
- Porque é vai caçar num sítio protegido? - Vou ser sincero. Por mero desporto, pronto! Eu costumo ir caçar com o meu pai para o Alentejo e foi ele que me deu esta espingarda... Estou muito arrependido do que fiz e não volta a acontecer. E agora a espingarda estava apreendida, perdida, e ele saía da sala a saber que vai pagar multas. “Exercício de caça em reserva não permitida e prática de exercício venatório com o emprego de meios não permitidos”. Fui atrás dele, até o tratei por tu.
- Confundiste-o mesmo com um coelho?
Nuno virou-se, no corredor. Não fica bem a um homem matar um esquilo. Os esquilos gostam de olhar para nós, curiosos, roendo um pinhão ou uma avelã. Não nos querem mal e até acreditam que nós somos bons. Nuno estava um pouco angustiado. - Pareceu-me mesmo um coelho. Estava nas silvas, os esquilos ali costumam estar nas árvores.
- Mas era um esquilo-cinzento, daqueles grandes, americanos?
- Não. O pêlo tinha reflexos vermelhos. Com a cauda esticada era assim. Abriu a mão talvez 30 centímetros. Os olhos de Nuno estavam a rir mas faziam impressão.- Deu-me pena... até chorei. O esquilo é um animal simpático. Quando lá cheguei, ainda estava vivo, a sangrar da cabeça, a guinchar baixinho.- Onde é que lhe acertaste?, perguntei eu.
- Na cabeça. No olho. No olho tinha um buraco preto. Lembrei-me que podia ser um macho... ou uma fêmea com crias. Veio-me uma lágrima ao olho. Para que serviu isto tudo? Que será feito de ti hoje, Nuno, caçador furtivo? Cresceste? Bom, há esquilos vermelhos por aí, no Monsanto, Sintra, pelos vistos em muitas serras e matas de Portugal, do Norte ao Sul. vamos viver em paz com eles e boas férias.